QUERIA SER O LOUCO DA ALDEIA

Um dia, quem sabe…

aprenderei a declamar.

A palavra escrita

como num vômito,

êmese sem volta,

uma vez dita,

já não habita

mais em mim.

Por enquanto

ando falando

para dentro,

de mim para mim

e talvez o eco

toque o mundo.

Pouco converso,

pois vivo

num resguardo

quase eterno.

A vida me espera,

mas não tenho talento

para palcos ou públicos.

Mal chego ao camarim

e nem arisco

a me aproximar

da coxia,

pois a arte cênica

é uma espantosa

quimera.

De quase nada

entendo,

Mas se tivesse

que escolher

um antídoto

para a existência,

escolheria a música.

Porém, fui mordido

pela poesia

e agora transpiro

esse veneno.

Sou desafinado

de nascença

e meu corpo

disritmado

até a alma.

Se escrevo,

é porque

não sei cantar,

e isso

por um instante

me acalma.

(Pintura: “O louco”, de Adelino Ângelo. Poema em homenagem a Ildo Simoes Ramos)

Rosalvo Abreu
Enviado por Rosalvo Abreu em 30/07/2023
Código do texto: T7849464
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