OLHOS DA ALMA
Com olhar atento
para as novidades,
abrem-se na esperança
de novas manhãs,
todas as janelas.
Olha para fora
quem está dentro,
e de fora espiam
para dentro
para saber o que há.
- Transmutação do olhar -
Vejo a linda morena
que passeia na calçada
e a uma mãe apressada
com uma criança
nos braços
e outra quase arrastada.
Passa a fé na procissão
e as pessoas
com velas acessas
a entoar uma canção.
Vejo faixas, panfletos,
ouço gritos de protestos
e passeatas em busca
de novos dias.
Vejo a menina
beijando na esquina
e o vizinho defronte
chegando aos tropeços
com um saco de pão
amassado nas mãos.
A ambulância
já faz tempo parada
com o giroflex ligado
na porta de Dona Teresa.
Ontem não a vi na janela,
pressinto alguma tristeza.
Passa voando um guri
e atrás uma galera correndo,
gritando: “Pega ladrão!”.
Há janelas entreabertas
a espera do amante.
Na penumbra,
vi almas nuas,
aprisionadas pulando
a janela em busca da rua.
Em tantas manhãs
vi passar quase tudo.
Pela janela da vida
passou o sorriso,
passou a esperança,
a dor, a beleza, a alegria
e continua a passar…
(Salvador Dali - Figure at the Window, 1925)