ESPELHOS
Espelhos espalhados no espaço
espreitam-nos...
Espreitamo-los...
Espreitamo-nos...
Neles nos vemos invertidos,
Neles nos vemos repetidos,
Neles nos vemos...
Neles tentamos nos ver.
Espelhos em toda parte.
Espelhos fracos e poderosos.
Espelhos embaçados.
Espelhos nas artes, na filosofia,
Espelhos na fé, espelhos nas ciências.
Cada um com um pouco de nós,
Cada um com muito de nós.
Somos cacos em todos eles.
Espelhos na fotografia
mostram-nos estáticos, conservados no tempo.
Espelhos de vidro que, a cada dia,
nos mostram diferentes, consumidos pelo tempo.
Espelhos da existência física, do corpo...
E os espelhos da alma?
Onde encontrá-los?
Os versos são espelhos poderosos.
Nos versos não nos vemos só invertidos.
Neles, velejamos no universo que somos
e nos vemos um pouco menos distorcidos.
Nos versos, nós nos desconstruímos,
Neles, nós nos construímos,
Neles, ruímos e desabamos.
Nos versos... acreditamos que somos o que vemos.
Nos versos... desacreditamos que somos o que vemos.
Nos versos somos rimas ricas e pobres,
Nos versos somos métricas escandidas,
Nos versos somos loucos e nobres,
Nos versos somos almas feridas.
Versos nos escondem e nos revelam,
Versos nos envolvem e nos desenovelam.
A vida vagueia nos versos
e nós vagueamos em vazios.
Vemos nós, vemos o outro.
Vemos o outro que está em nós.
Vemos nós que estamos no outro.
Vemos temores, vemos dores.
O polivalente mundo dos versos
em que nos inscrevemos,
em que nos encontramos,
em que nos perdemos.