A alva barca
Entre a névoa translúcida
E a areia deveras molhada
Nascia, calada, uma barca.
E o Mistério emergia e flutuava.
Era a semente da barca da alva,
Antes do machado ferindo as árvores,
Dentro da ideia da árvore e dos pássaros,
Ainda havia o cheiro de pétalas na água
(Sob a voz do vento que corria sem mágoas.)
Entre tantas margens áridas,
Como sobre ocultas lágrimas,
Era uma simples barca mágica
Em marcha frenética da fábula,
E o Mistério vagava na névoa pálida.
De dentro das novas igrejas e casas
Silenciosas, misteriosas e fechadas,
Quem viu a fluidez dessa barca
Entre as névoas da água alva?
E o Mistério rugia das ondas plácidas.
Sem o peso dos remorsos,
Livre como o voo das águias,
Sem remos nem máscaras,
Segue a barca sem máculas,
E o Mistério atravessa básculas.
Adeus para as antigas árvores,
Adeus aos amigos e aos pássaros,
Seguindo o rumor das tristes águas,
Levadas pelo hálito da brisa, rápida,
Sob o Mistério insano da barca grávida.
Sozinha passava a alva barca,
Poderosa, sem volta, e calma.
Sem qualquer expressa palavra,
Cada ida [e a ideia da "ida"] passa,
(sem cais certo, sem pausa...)
Era a sonhadora e definitiva barca da alva!
E que porto ou ancoradouro nos aguarda?