terracota
certo dia, li em Autogeografia de Alcy Araújo uma colocação simples e cheia de camadas que diz: "da natureza da cidade". isso me remeteu ao que tanto ouço nas terras Tucujus — que muito é preciso mudar — dois pontos distantes, mas muito bem relacionados.
agora, repenso, e da natureza do bicho-homem, da natureza da bicha-mulher, onde se jaz o olhar de dentro capaz de ver além, capaz de mudar?
nas andanças pela terra, pisasse na terra?
qual a temperatura da natureza?
qual o sentimento da natureza?
quais os desgostos, os desamores, os desencontros, os sonhos, os planos, as decepções da Terra Natureza?
me diz tudo, me explica com clareza, dados precisos e sentimentos não-ambíguos o momento que fomos numa terapia de família juntos de tais incertezas.
da natureza do ser-gente não se entende o urgente fardo que é viver, e se daqui não posso estar, quem dirá ser?
e se daqui não posso ser, quem dirá entender que na terra mora o fluido da vida; que na terra se forma o chão firme aos pés, que desses pés existem raízes que só podem ser vistas quando tu tiras o sapato que aperta o calo que impede a ligação direta com a vida.
o sapato velho até tem história. a sola velha de certo se desgasta. mas é no pé rachado que se tem vida.
da vida é preciso ver o que apenas olhos cansados podem enxergar.
da terra é preciso se melar.
da natureza do ser necessita-se ser. da natureza da mata é preciso adentrar.
da natureza da cidade:
não necessito de autoridade
de maioridade
da idade para entender o que é família.
viver, prezar, cuidar, pertencer, sentir, ser, findar-se no presente do corpo da morte que diz que o amar transpassa ligeiro o coração-carne.
é da raiz que se nutre os sentimentos.
é da raiz que se brota o que sou
o corpo-cidade
corpo–estátua-terracota
corpo-natureza
corpo-ancestral
o anticorpo
o verso tolo que toca a terra com carinho
a terra que brota a raiz do verso
no mundo
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Parafraseando Joãozinho Gomes,
não se alcança a vida,
se não regressarmos a nós.