"TESTAMENTO"

Tenho três filhas de jeito,

Três filhas que Deus me deu.

E... “trago dentro do peito

Meu filho que não nasceu!”

Não vos deixo o dinheiro,

Não deixo porque não tenho;

Deixo meu maior empenho,

A poesia é o meu celeiro!

“Não faço versos de guerra",

Não faço versos de amor.

Mas, lanço as palavras à terra

E brotarão poemas em flor!

A vida é uma seara,

A sorte é o meu abrigo!

E, nessa insana safra,

Quem colherá o trigo?

TEXTO INTERATIVO:

TESTAMENTO

O que não tenho e desejo

É que melhor me enriquece.

Tive uns dinheiros - perdi-os...

Tive amores - esqueci-os.

Mas no maior desespero

Rezei: ganhei essa prece.

Vi terras da minha terra.

Por outras terras andei.

Mas o que ficou marcado

No meu olhar fatigado

Foram terras que inventei.

Gosto muito de crianças:

Não tive um filho de meu.

Um filho!... Não foi de jeito...

Mas trago dentro do peito

Meu filho que não nasceu.

Criou-me, desde eu menino

Para arquiteto meu pai.

Foi-se-me um dia a saúde...

Fiz-me arquiteto? Não pude!

Sou poeta menor, perdoai!

Não faço versos de guerra.

Não faço porque não sei.

Mas num torpedo-suicida

Darei de bom grado a vida

Na luta em que não lutei!

Autor: Manuel Bandeira foi um poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro.

https://www.youtube.com/watch?v=UH8zgDK0Un8

Francisco Ohannah Oleanna Osannah Galdino
Enviado por Francisco Ohannah Oleanna Osannah Galdino em 28/04/2023
Reeditado em 28/04/2023
Código do texto: T7774960
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