"O que eu irei deixar?"
Sentado na varanda em uma cadeira de praia,
Bem como em uma praia qualquer.
Há 2 anos e embora muito se mova, pouquíssimo muda.
Sigo incurável nessa cadeira
Lendo os últimos poemas de Neruda, meu xará.
Querendo escrever coisas sobre navios, vícios, vazios,
Mas tais temas não me comovem.
Pensando em vícios tenho sensações
Que suspendem arrependimentos tardios.
Sobreviver é o percalço da vida
À qual navego ainda sem ter onde aportar
Vazio de um jeito, vazio de um lar.
E a abstinência consequência de estar sóbrio
Um passo ainda distante pra considerar vencido.
Falta compreensão e estamos sozinhos,
Ainda que lado a lado ou empilhados
Uns sobre os outros.
Fumamos e partilhamos prazeres intimamente imateriais.
Não há o que alertar sobre o fim,
Não existe acontecimento significativo qualquer.
Apenas pedras e poemas e o que mais perdurar
Pra além do tempo cabível ao silenciar de um último suspiro.
"E se o céu for apenas céu?"
Questionamento lúcido de uma vida.
Sentindo as nuvens soprando o vento morno
Sob um teto intenso e nublado.
Céu esse palco de talentosos pássaros
Monocromáticos incansáveis acrobáticos
Onde a refração expõe as linhas tristes do arco-íris.
Diferente das relações em que o espetáculo principal
É invisível aos olhos alheios.
Uma felicidade relativa preenchida em geral
Por feitos supervalorizados.
Descontentes, iludidos
Perda e ganho o tempo inteiro.
E já não são mais pássaros, agora raios
Por fim pinturas todo fim de tarde
Em tons lilás e laranja de verão.
Incontáveis pinturas que me agradam
Permitindo um contemplar profundo
Daquele instante de alívio
Bebendo ainda meu café
Querendo ainda esse algo mais
Acompanhando a chuva descer
Em pingos espaçados forjando o degradê.
É hora de me recolher
Sem pensar no que eu irei deixar
Quando a vontade do tempo vencer.