o pedaço da morte

“a vida é uma doença fatal e sexualmente transmissível.”- lourenço mutarelli

ela está comigo

nesse relevo artificial da placa de titânio que cobre a minha fratura

no estalar dos meus ossos

no peso

que me gravita à morbidez

nessa antecipação

mortal

ceifante de qualquer vida.

e a poesia?

e a história?

e toda fome

e toda vontade de ser tudo?

e todos os horizontes descobertos

pelo mundo que se formou diante do trabalho de minhas mãos?

onde ficaram?

o pedaço da morte se estendeu

fagocitou

toda

minha visão

não vejo nada

além da

doença

que me verga

que me poda.

onde ficou a convergência do bem?

a convicção de um futuro

onde ficou?

em qual esquina do tempo se perdeu

o olhar puro

da criança que me habita?

do âmago que me forma

e me dá direção

não consigo extrair

nada

a não ser

a doença.

ó vida

e os meus olhares?

e minha fronteira com o mundo?

e a dor que retirei

e acrescentei na vida dos viventes?

e a poesia do pôr do sol e do vento?

e as memórias com minha avó?

e o amor

pelas pessoas

onde está?

eu me queixo

e nada

deixa de ser

como tem sido

nesses duros anos

meses

décadas

e a subversão?

e a destruição criadora

e oxaguiã

e ogum??

e a atitude diante da vida??

ONDE FORAM PARAR

em que cartografia mental

poderei mapear novamente

as linhas que me levam

à sintonia com o outro?

essa autocritica sufocante

esse ódio

esse medo da vida

esse medo de mijar as calças enquanto todos veem

esse medo do gaguejo

esse medo da perca dos dentes

esse medo

medo

da vida

tudo está

nublado pelo trauma

a fatalidade da dor

se instaurou

se fez sentir e

chacoalhou todos os horizontes vitais

não vejo mais nada

a não ser a doença.

antonio teteu
Enviado por antonio teteu em 01/03/2023
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