Diabar
Hoje eu gostaria de lembrar que eu tenho calda.
Não asa,
Não pena,
Não auréola,
Não arco e flecha.
C A L D A.
Não faço parte de trindade,
Não sou nenhuma santidade,
Minha luz eu mesmo crio
E ainda não sou divino.
Mas calda? Calda eu tenho.
E lustro todos os dias
Pode ser indo,
Pode ser vindo,
Que é para não perder o brilho.
Não tenho paciência,
Não tenho carinho,
Não tenho amor,
Não tenho afeto infundado para suprir um problema que é todinho seu.
O que eu tenho é uma calda.
Uma calda bonita, larga, esticadissa e pontuda.
Uma calda de diabo.
Calda que chicoteia,
Que perfura e incendeia
Cada peça no caminho queira me derrubar.
É calda forte,
Que desbrava e me defende,
Tira tudo em minha frente
E não me deixa mais dobrar.
Por muito tempo amarraram minha calda,
Fizeram formato de asa para eu acreditar
Que era limpo,
Muito certo e muito fino,
Um exemplo de menino,
"Pronto, pode se espelhar"
Por mais que seja
Corriqueiro do demônio,
Ter calda abaixo dos ombros,
Hoje vou ter que descordar.
A minha calda tá na ponta dessa língua,
Que bate, esfrega e arrepia
E não para de falar.
Por muito tempo fui tirado de pacato,
Livre, solto e acomodado
Pronto para controlar.
Agora deu.
Esse inferno já morreu.
E se quiser chamar de ateu,
Posso te parabenizar.
Cansei do canto da sereia que dizia:
"Cada bela nuvem fria,
Tem um céu a se limpar"
Pra mim não tinha,
Quando naquela tarde escura,
Ouvindo palavras duras,
Tive que me retirar.
Agora rio!
Gargalho com muito afinco.
Brasa, ferro e muito risco,
Para mamãe não se orgulhar!
Mas não se engane
Que isso não é ruindade,
É o mínimo de humanidade
Que eu poderia me dar.
Então aceito cada novo adjetivo
"Moço mal agradecido"
Quando for me provocar.
Mas não esquece
Que ainda tô na carne
E quando a gente se embate
A cobra bota pra fumar.
Não é de ódio que faço minhas palavras
Mas de uma pira toda em brasa,
Pronta pra se estilhaçar.
Foi muito tempo aceitando tudo isso
E se não for pra ser pacífico
Hoje eu quero diabar.
E nada disso tem a ver com Deus ou Santo,
Orixá ou qualquer manto que quiser me colocar.
Eu tô falando que revolta todo dia
Ranger os dentes em água fria
E calar até chorar.
Então ri comigo!
Aceita, moço. E sem castigo.
Pois quem tem medo do perigo,
Tá pronto pra se afundar.