SONHADOR*
Eu nada sou,
Nada tenho,
Nada conto e nada valho,
Mas tenho em minh’alma
Todos os sonhos do mundo.
Como Álvaro de Campos,
Sei que nada sou,
Que nunca serei nada
E que não posso querer ser nada,
Mas tenho em mim
Todos os sonhos do mundo.
Ainda como Álvaro de Campos,
Conquisto o mundo inteiro
Antes de me levantar da cama.
Tenho sido capaz de tudo
Nos sonhos que tenho sonhado
Adormecido ou acordado.
Grande herói e realizador adiado,
Conquisto tudo o que desejo
E torno-me aquele que em menino
Imaginei que me tornaria
Quando crescesse,
No lindo futuro
Que idealizei naqueles dias idos,
E então desperto
Do meu sono e do meu sonho
Com um sorriso nos lábios
E a doce recordação
Dos grandes feitos na imaginação
Realizados e sempre ainda por cumprir
No mundo real.
Eu sou e serei sempre
Um sonhador
E realizarei todos os meus sonhos
Antes de despertar
Com um sorriso no estampado
No meu rosto precocemente envelhecido.
"I am a dreamer, not a maker",
Disse certa vez Lord Victor Bertram,
Vigésimo sétimo Conde de Carltonham,
Narrador de meu inédito romance
"Lady Julia Mansford e seus filhos",
E também eu digo que sou um sonhador,
Não um realizador.
Eu sou e serei sempre
Um sonhador.
Já disse que sou e serei sempre
Um sonhador.
Tenho realizado
Todos os sonhos do menino que fui
E depois acordado
Com um largo sorriso no rosto.
Construo castelos com que nem mesmo
O Rei Ludwig sonhou
E então desperto
Sem castelo algum.
Caminho pelas ruas do meu bairro
Como um rei ou imperador
Que andasse pelas províncias
De seu vasto império,
Embora saiba que tal império
Não existe senão em meu sonho.
Na maior parte do tempo, porém,
Sonho apenas com a boa vida
Que tive nos perdidos dias
Da minha leda infância
Que os anos não trazem mais
E com a vida igualmente boa
Que nesses gloriosos tempos idos
Imaginava que seria a minha
No lindo porvir que então
Supunha que viria e que hoje sei
Que jamais virá.
De qualquer modo eu sou
E serei sempre um sonhador
E seguirei preferindo
O sonho à vida
E sonhando todos os sonhos do mundo,
Quase todos eles irrealizáveis,
Ao menos para quem, como eu,
Nasceu para sonhar.
Eu sou e serei sempre
Um sonhador
E seguirei preferindo
O sonho à vida
E sonhando
Todos os sonhos do mundo,
Realizáveis ou não.
Eu sou e serei sempre
Um sonhador.
Eu já disse e cansei de repetir
Que sou um sonhador
E sei que seguirei sonhando
O grande sonho da vida
E todos os demais sonhos deste mundo.
Victor Emanuel Vilela Barbuy,
Campos do Jordão, 20 de julho de 2014.
* Um ano depois de haver escrito esse poema, li pela primeira vez o texto “Ecolalia interior”, de Fernando Pessoa, que consta de sua obra "Sobre Portugal: Introdução ao problema nacional", e nele, para minha surpresa, encontrei algumas frases que guardam impressionante semelhança com alguns versos desse poema. Com efeito, assim escreveu Pessoa, no aludido texto: “o português é capaz de tudo, logo que não lhe exijam que o seja. Somos um grande povo de heróis adiados. Partimos a cara a todos os ausentes, conquistamos de graça todas as mulheres sonhadas, e acordamos alegres, de manhã tarde, com a recordação colorida dos grandes feitos por cumprir. Cada um de nós tem um Quinto Império no bairro, e um auto-D.Sebastião em série fotográfica do Grandela”.