A VIDA É UMA VELA QUE NÃO SE PODE APAGAR
Gostaria de transmutar a minha cor para verde,
o verde da mata que é tão desconhecida...
E chamar-me-ei de forasteiro para dentro de lá.
A vida é uma vela que não consigo apagar…
Este mundo me cansa,
cansa-me a esperança,
cansa-me a vida.
Mas, vou criá-los para a vida
uma vida diferente,
a se chamar João Bento.
Não sei o sobrenome,
nem sua idade em menino...
Talvez uns onze ou doze de esperança.
Mas sua avó, quase sem vida,
chamava-o Bentinho
e comparava-o sempre
ao tempo do Mudinho,
um papagaio que nunca aprendera
a repetir o que sua dona versava.
Não vou dar-lhe cor,
como outros narrados.
Dar-lhe-ei espectros de cores
e sombras de desatenção,
pois que menino
não precisa se preocupar.
Adulto precisa?
Denuncia-nos tal mundo que sim.
Mas o de Bentinho não,
até o que antecede
um lastimável acontecido…
Foi então que, nesta noite,
no balanço rugido da rede,
ela parou de versar,
cantarolando aquelas
melodias fúnebres,
como a adivinhar
sua passagem prevista
há mais de dois anos e meio.
Chegou a já não temida hora.
Resolveu partir
e deixar Bentinho
a sonhar na noite
e no mundo, sozinho.
Contudo, não impediu-a o tempo de,
nos seus últimos vinte minutos,
escrever ao menino uns ditos de adeus:
Querido Bentinho, acorde!
O último fruto caiu da mi’a face! Se conseguires enxergar tais últimos dizeres da Vó – pois cá folha já mais se confunde ao marrom deste casaco velho – ouça-me estes como preolhares para o mundo pelo qual haverás de passar. Sim, pois que sejas tu sempre meu pequenino herói... Ele (o mundo) é um mar cheio de travessias convidando-o a desvendá-las, insistirá em penetrá-lo e tentará polui-lo a vista. Mas lembre-se, sempre e sempre, de criá-lo e reinventá-lo dentro e para si; ignorá-lo também. Não percas esse riso que vó adora. Pois que vivas de idas e vindas, contanto que procures e optes por aquilo que não te cansares. Pois tudo que vai cansa. Prefiras, pois, deixar a ser deixado. Não demores a acordar, querido! Confesso-te que depois de menino passarás rápido pela vida... Já teria-me apagado a luz há muito, não fosse você, meu menino... Mas agora já me vou, já não persisto ficar... Não, não desperte agora! Lá vou beijá-lo antes o rosto, como o fazia naquelas madrugadas chuvosas de quando ainda conseguia chegá-lo em silêncio à face, porquanto nunca quis acordá-lo em vida. Não te esqueças do meu Mudinho, querido. Converses com ele, se necessitares e quando estiveres sozinho de si e de tudo; sei que ele nunca me disse, mas sempre me ouviu e, creio eu, te compreenderá em silêncio. Nada te tenho a deixar senão o que cá lho digo em resumo do que já lho disse desde mais pequenino até então. Pois que meu balanço perdendo força a parar...
Beijo da Vó, eterno Bentinho!
(Continua).
Escrito em 2013.