OS OUTROS E OS MAUS
Bocados de ódio
Em farpas de democracia
E voilá: nasceu uma era
Era essa tão criticada
Por todos aqueles
Que como nossos pais
Viveram outras eras
E nada fizeram
E nem farão
Porque o inferno sempre serão os outros!
Os negros, os favelados, os sem estudo, as mulheres, os pobres, os não heteronormativos, as crianças, os idosos, a classe média
Todos eles são culpados
De não olharem para o próprio umbigo
Umbigo sujo e distante do teu
Teu cordão umbilical
Tão poderoso e tão merecedor de não ser como eles
O inferno sempre serão os outros!
E os outros tão crentes em qualquer exclamação democrática
Do que resta de um povo sempre massacrado
Vão mais algumas muitas vezes
Matar uns aos outros
E eles merecem
Porque nasceram assim, animalescos na lama da ralé
E morrerão assim se depender de ti
Não eu
Eu sou apenas uma mulher
Com o útero do tamanho de um punho
Incapacitada de parir gigantes
Pois gigantes vem apenas do saco que eu não tenho.
Mas eu, tão crente, como os maus e os outros
Pus a mim mesma
Na esfera social
Maldita hora que um mamífero quis viver em grandes aglomerados
De maus e outros
Onde os outros sempre têm um papel
E os maus também
E ninguém quebrará essa roda da fortuna?
É claro que não!
Somos feitos de átomos e nascidos de úteros
Úteros fracassados no cerne feminino
Condenados desde muito
A ser do grupo dos outros
Sempre os outros
O inferno sempre está neles!
Não acreditar em conto de fadas
Mas acreditar em mudanças
Tão simples
Tão meramente humano
Humano e infernal
Uma busca incessante
Por a fresta na janela do sistema
Em que um dia
Um outro será como um mau.