Lembranças imprecisas
Desliza lentamente essa singela manhã,
sem sobressalto, delicadamente, entre rumores,
sorvendo meus sonhos imprecisos, nesse torpor,
escancarando meus desejos, minha timidez.
Havia flores no jardim, era primavera!
Faz algum tempo nesse lugar, nessa casa,
nasceu minha infância entre brinquedos e desejos.
Sonhava como sonham todas as crianças. Cresci!
Tantas vontades e impaciências, tantos temores,
alimentavam meus sonhos nessas paragens disformes,
deixando as fantasias desse quarto, deixando a inocência,
entre suspiros febris e reticências, entre esperanças.
Depois mirei novas paisagens, tive outros regressos.
Perdeu-se a infância e sonhos, outros amanheceres,
novos pertencimentos. Descobri a vida, sem meus rios,
sem a casa dos meus pais, sem aquele horizonte delicado.
Viajei tantas viagens, me perdi em devaneios e ilusões.
Minha composição incorporou novos ruídos, novas cores,
novos amores, outras palavras. Envelheci entre medos.
Quem sou nessa estrada de destempero e incerteza?
Sou um velho que sente saudades, que sonha entre feridas.
Um velho que se perdeu no deslizar dos dias e dos amores.
Entre estradas sinuosas, recordações e sentimentos,
travando lutas com as palavras, descrevendo turbilhões.
Desliza manso esse dia de saudades e lembranças arfantes,
nessas ausências desenfreadas, sequiosas, impertinentes.
Tem a pele enrugada, desavenças acumuladas, teimosia.
Velho de poucos orgasmos, tantas renúncias e reflexões...