A hipocrisia da compaixão adormecida
Se o frio te bate à porta
E o cobertor te socorre,
Pare um pouco e reflita,
Que lá na calçada habita,
Alguém que treme de frio
E desamparado morre.
Roga a Deus por piedade
Para o pobre moribundo,
Não entende como pode
Deus ouvir e ficar mudo?
O choro ao rosto escorre
E encharca o travesseiro,
Molh'o cobertor quentinho,
Tecido em lã de carneiro.
Um sentimento se revela,
Treme a face de desgosto
E acendendo a outra vela,
Com o lenço, limpa o rosto.
Depois faz a cruz no peito
E com um beijo no terço
Termina-se a obrigação.
Logo adormece ao leito
Em paz e bem satisfeito,
Cumprida a boa ação.
Mas no sono se agita,
Pois ali na contramão,
Uma alma triste habita,
Dormindo no papelão.
Como a hipocrisia é tola!
Chora por qualquer cebola,
Mas não move um dedinho,
Pra tentar mudar o mundo!