Poética - Fantasmagoria
Um sentimento ilegível desprendeu-se de obsoletos afetos soterrados e vagueou latejando nos breus da minha alma.
Tal fantasma de eras ultrapassadas exilou-se de sua interioridade tão mais vasta e rica para flutuar em direção a uma realidade empobrecida.
Pôs-se a caminho da concretização, mas no fim só a vaga transparência nele se refletia.
Se eu fechasse os olhos, o meu crânio era como uma alcova escura e agitada, pois algo observava-me pelas frestas das minhas crises.
Era ele a divagar em meus neurônios com seu desejo de encarnar nas coisas e fazer-se humano após o longo exílio de sua forma.
Diáfano, e em conformidade com as águas do oceano mais cristalino, tuas profundezas etéreas a realidade enudecia.
Nas ondas do destino, a visão usual das coisas agonizava até boiar inerte em direção a superfície lúcida da verdade.
Eis que através de sua figura, o retrato do mundo emergia (...)
Dentro de mim ele se fez;
uma pérola advinda da cristalização de todos as minhas dores abafadas.
Uma forma tão mais genuína,
mas tão substancialmente oculta.
A antítese, cuja natureza se opõe a tantas vãs certezas que criamos.
A aparição de meus devaneios
é o fantasma de um suicida ironicamente apaixonado pela vida; É a percepção retida em seu ermo retiro.
Meu fantasma atravessa corpos para sentir o tépido amparo da vida, algo que nunca sentiu quando a tinha em suas veias.
És o miasma incômodo a soltar-se de cadáveres gangrenados pelo vazio (...)
A figura tão alheia deseja pertencer, mas a quem e ao que? Se a verdadeira expressividade não anima corpos consumidos pelo parecer.
Tu, fantasma, entendes de ser.
Carregas em ti a transparência da vida.
O desejo pelo que morreu lapida sua forma informe, ao passo que, o drama humano para sempre flutua em suas incertezas.
- Letícia Sales
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