DE UM PARA O OUTRO
Ouve muito, fala nada
O riso amargo e contido
Na expressão neutra, parada.
O olhar meio perdido,
As mãos sem saber onde pôr:
Coitado, é o sonhador...
Mas porque é tão fechado,
Calado, selado, cerrado, sofrido,
Encolhido, batido, tolhido, amassado,
Marcado, sentido, cansado, doído?
Seja lá que motivo for:
Coitado, é o sonhador...
Por sonhar de olhos abertos,
Não viu que o mundo corria,
E somente ele não via
Que o mundo era dos espertos.
Coitado do sonhador,
Que sonhava com o amor
E pensava que sozinho,
Só com amor e carinho
Podia até mover moinho.
D. Quixote é o que ele era,
Mas Sancho Pança não tinha.
Por isso só ele vinha,
Cavalgando sua quimera.
Na garupa, sempre o amor.
Coitado do sonhador...
Um dia, já todo esfolado
Sedento, sebento, rasgado, acabado,
Sentiu que o amor a seu corpo colado
Saía voando com ar desgastado
E depressa sumia, apesar de chamado.
E não houve como fazer
O sonhador entender
Que o amor tinha cansado
De viver sobressaltado,
No lombo de sua quimera.
Que o amor também quisera
Criar sonho e realizar,
Por isso se fora a voar...
Coitado do sonhador.
Inda busca o seu amor.
Não consegue viver só.
Onde chega, inspira dó.
Todos acham que é varrido.
Perigoso ser ouvido.
Vão saindo devagar
E o deixam só...a sonhar.