DE UM PARA O OUTRO

Ouve muito, fala nada

O riso amargo e contido

Na expressão neutra, parada.

O olhar meio perdido,

As mãos sem saber onde pôr:

Coitado, é o sonhador...

Mas porque é tão fechado,

Calado, selado, cerrado, sofrido,

Encolhido, batido, tolhido, amassado,

Marcado, sentido, cansado, doído?

Seja lá que motivo for:

Coitado, é o sonhador...

Por sonhar de olhos abertos,

Não viu que o mundo corria,

E somente ele não via

Que o mundo era dos espertos.

Coitado do sonhador,

Que sonhava com o amor

E pensava que sozinho,

Só com amor e carinho

Podia até mover moinho.

D. Quixote é o que ele era,

Mas Sancho Pança não tinha.

Por isso só ele vinha,

Cavalgando sua quimera.

Na garupa, sempre o amor.

Coitado do sonhador...

Um dia, já todo esfolado

Sedento, sebento, rasgado, acabado,

Sentiu que o amor a seu corpo colado

Saía voando com ar desgastado

E depressa sumia, apesar de chamado.

E não houve como fazer

O sonhador entender

Que o amor tinha cansado

De viver sobressaltado,

No lombo de sua quimera.

Que o amor também quisera

Criar sonho e realizar,

Por isso se fora a voar...

Coitado do sonhador.

Inda busca o seu amor.

Não consegue viver só.

Onde chega, inspira dó.

Todos acham que é varrido.

Perigoso ser ouvido.

Vão saindo devagar

E o deixam só...a sonhar.

Ruy Soares
Enviado por Ruy Soares em 03/02/2022
Reeditado em 03/02/2022
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