Poética - A visão das estrelas
"Na vastidão cósmica eu era apenas uma ilha isolada no olho do mundo - desperta em épocas vindouras, incomunicável aos homens e cercada por visões que somente a poesia e os mitos eram capazes de exprimir."
A extensão do céu perdia-me em total dissolução e em teu ébrio negrume eu espalhava-me para além dos limites de mim.
Através da abóbada celeste a minha consciência jazia despida de todo e qualquer senso de grandeza.
Já a minha visão fazia ninho nas estrelas, incubando a esperança em memórias longínquas de um futuro perdido.
Desnudo, o meu olhar escavava vazios ao plantar teus embriões humanos em terras míopes, na esperança de assisti-los romper a cegueira.
A cicuta de Sócrates circulava em minhas veias e envenenava-me ante as planícies do tempo; eis que no ápice dos meus devaneios eu almejava fenecer na consciência de que nada sabia.
Ah, as estrelas são esqueletos do passado - elas luzem numa eminência de quem ainda vive nas retinas humanas. São a eterna visão das coisas como elas eram. São flores colhidas para fenecer enquanto enfeitam o que já morreu nas memórias dos que olham para o céu.
A morte pela morte.
O exímio da aniquilação
Para o céu são transferidos os olhos humanos; pequenas circunferências na escala dos mundos.
Afinal, o que são os olhos perto da circunferência da terra?
"Ah não há nada que eu anseie mais do que a aniquilação sem o cansaço de um corpo. E que o eterno abandono de minha própria espécie.
A cadência dos mundos me devolve ao pó; vejo que não sou nada, portanto torno-me tudo ao unificar-me aos mistérios do mundo.
Anseio a dispersão de não mais olhar para o que já morreu. E quando encontrar-te sob o meu pesar, anseio desintegrar minha forma física para ver se te perco ao me encontrar.
Gradativamente tudo diminui dentro de mim e sugo-me para a pupila do fim. "
- Letícia Sales
Instagram literário: @hecate533