FINADOS E BÊNÇÃOS
Há coisas que não me tiram o sono
e nem preciso pensar muito.
São ideias
que se colaram na minha pele
há muito tempo
e há dias ao tentar arrancá-las,
dei-me conta
que passaram para o sangue
por osmose.
A aproximação do dia de finados
despoletou este sentimento.
Neste momento não sei classificá-lo.
Será um sentimento de repúdio,
de raiva, de comiseração,
de tanto me faz?
Mas sei muito bem o que o motiva.
Não podem faltar as flores nas campas
mas podem faltar nas mesas dos vivos.
Isto é um contrassenso.
Contudo quem é oco,
precisa continuar a viver de aparência,
do parecer bem, do parecer bonito.
Tanta hipocrisia,
paramentada com panos bolorentos
e podres,
cuja superfície
é revestida de pedraria plástica.
Não sou de dar flores aos mortos.
Não condeno quem o faz,
apenas defendo o meu ponto de vista.
São os vivos que precisam de pão e amor.
Ninguém me obriga a nada.
Ajo sempre de acordo
com a minha consciência
Independentemente
que tenha que abalroar
a tua comodidade e o teu interesse.
A única concessão que me faço
são as flores no dia do enterro,
porque as vejo como uma despedida.
Eu sou de dar flores aos vivos
e quanto mais bonitas melhor!
Durante a vida, as flores são escassas,
depois de morto, as flores abundam.
Quero eu dizer que em vida
não há carinho, amor, um beijo, um abraço,
um olhar terno, uma palavra doce.
Falta mimo!
As pessoas esquecem-se de ser gentis…
Após a morte,
especialmente no dia de todos os santos
é uma correria aos cemitérios,
com braçadas de flores,
para que no dia de finados
as campas estejam bonitas.
As que não estiverem floridas
Não se livram das críticas.
A quem vão dar as flores?
Aos mortos?
Eles já não agradecem,
já não sentem o carinho,
já não precisam delas.
Não creio neste carinho,
é um hábito enraizado
na tradição popular.
Vão dá-las á lingua do Povo?
Pois claro,
para continuar a alimentar a maldade.
A língua do povo não tem osso…
Oxalá futuramente
um dia sem data marcada
as pessoas sejam todas cremadas.
Beneficiará o planeta
e as gerações vindouras.
Bem aventurados aqueles que enxergam
para além daquilo que os olhos veem.
Bem aventurados aqueles
que estão acima da coscuvilhice
e da intriga.
Bem aventurados aqueles
que se destacam pela bondade.
Bem aventurados aqueles
que iluminam o caminho dos outros
Bem aventurados aqueles
que vieram para nos ensinar.
No bem e no mal há uma lição.
Bem aventurados os possuidores
duma mente empata,
que dança a valsa com o coração!
©Maria Dulce Leitao Reis
28/10/21