A LINHA DO TEMPO
Eu vejo a face do tempo,
Tão nítido, nos prédios antigos, nos muros carcomidos
E nos escombros deixados ao longo da caminhada.
Eu o vejo, nas fotos antigas, esfinges vivas da alma,
Nas ruas de paralelepípedo irregulares e enegrecidas
No silencio das páginas amareladas dos livros nos sebos, que abro e fecho sem ler,
Na melancolia dos túmulos que datam a entrada dos seus habitantes
Quando caminho pelas alamedas sem nome e sem esperanças,
O tempo está também, nos borrões dos dias vencidos nos calendários
Dos anos idos, que teimosamente ainda mantenho na parede,
Também está nas memórias já quase apagadas da infância,
Nos antigos utensílios antigos que usamos,
Nos becos da alma, onde pensamentos e lembranças se amontoam!
Na obsolescência dos projetos que anunciavam mudanças revolucionárias
Nas disparidades entre moderno e o antigo
Eu o vejo nos momentos felizes que escaparam das minhas mãos
E caminham para o esquecimento,
Eu o vejo nos cabelos brancos e na degenerescência da jovialidade,
Dos ícones da minha juventude.
Nas rugas dos meus olhos, na ausência dos sorrisos dos rostos pálidos
No farelo das ilusões dos que irremediavelmente envelheceram,
Eu vejo no avanço da maturidade dos filhos, e em suas novas atitudes,
Esta é a linha do tempo que sigo, com os olhos abertos de espanto
Esforço-me para ficar nesta estrada,
Garimpando sonhos, tentando forjar novos.
Eu queria ter um tempo em que pudesse olhar para mim
Para rever as opções, me olhar no espelho e decidir por caminhos novos
Mas sinto que não tenho esta alternativa e que o tempo apenas me arrasta
Como uma correnteza, sem que eu tenha forças para mudar o curso.
Embora o desgaste da matéria seja nítido, como o sol
E as sensações do dano se acumulem, irreversivelmente,
Seguimos sempre, como sempre, acumulando perdas,
Até sermos descartados pelos limites do corpo,
Na linha eterna do tempo que nos devora.