APATIA
Essa lata sem tampa, esse plano sem meta,
essa valsa sem ritmo, esse alvo sem seta.
Essa palavra sem verso, esse sangue sem veia,
esse vão sem parede, essa aranha sem teia.
Essa centelha sem fogo, essa fada sem madrinha,
esse lenço sem lágrima, esse pirão sem farinha.
Essa memória sem alegria, esse troféu sem vitória,
esse dinheiro sem finalidade, essa luta sem glória.
Essa compra sem moeda, esse tombo sem chão,
esse teto sem telha, essa reta sem direção.
Essa lua sem noite, essa peça sem estreia,
esse samba sem pé, esse quadro sem ideia.
Essa terra sem chuva, esse mistério sem procura,
esse frio sem coberta, essa doença sem cura.
Esse pincel sem tinta, esse sapato sem meia,
essa porta sem trinco, essa boca sem ceia.
Esse instante sem momento, neste mundo feito algoz,
somos um grito sem voz e a força veloz sem movimento.