Carta pelo fim
se algum dia
o inevitável me obrigasse
a escrever uma carta pelo fim
nada de belo estaria lá
apenas um disforme vulto
a miudez brilhante do ser
anunciando convulsivamente
escondida em silêncio
com os sons da noite eterna
a verdade lapidada em sangue
um sussurro do canto do coração
dizendo apenas que caminhamos
sem caminhos ou direção
sibilando suave na insignificância
amamos como um vento passageiro
construímos como uma corja pestilenta
e perante tudo que trazemos ao chão
sorrimos o sorriso perdido
olhamos maravilhados o fim
entoando canções sobre lápides
chorando esvaziados pela solidão
e quem dentre nós senão um louco
poderia extrair um sentido disso tudo?
desistam de procurar nos hospícios
os desvairados caminham
em plena luz do dia apertando e empurrando
sorrindo e cumprimentando
carregando malas e ódio efêmero
gritando sem saber para quem ou por quem
e cansados esperamos letárgicos
por um fim que nunca chega
não precisamos de orações ou esperança
precisamos da escuridão eterna
a ausência de qualquer coisa
o fim da dor excruciante na alma
o fim das lágrimas escuras da tristeza
precisamos do rompimento dos grilhões
levar toda a consciência inútil para a inexistência
para finalmente descansarmos
dessa luta obrigatória e sem sentido
apreciando emocionados e satisfeitos
a chama débil das paixões infinitas
arder para sempre perdida numa bolha de sabão