Ontem.

Ontem fez uma noite linda

Como há meses eu não via

Não sei dizer se não atentei

Ou se foi a lua que não veio

Pode ser que eu só tenha olhado pro chão

Ou que foi o meu lado sombrio

Haja vista se era frio ou calor, nada senti

Tem coisas que a vida faz

Assim como as dores

Com o passar dos dias

Nem se reconhece mais nem flores

Não sei dizer se era dor

Só sei lembrar que doía

Chega um tempo em que não faz menos sentido

Até que, numa noite qualquer, nem mais

Se vê que a lua é linda, ainda

Mas que os seus olhos de vê-la

Não olham com a mesma lógica

Nem mesmo com a mesma óptica

Por isso não vê como a via

O coração, de forma arredia

Pede explicações da vida à ela

A vida, cansada de vivê-la, bruxuleia a lua

Qual fosse nada mais que luz de vela

A esperança traz a estrela da manhã

O cansaço trança as pernas, lança um olhar ao tempo

Com ar de cumplicidade criminosa

Um sorriso sereno, que parece inofensivo

Num truncado impiedoso que esse tudo fez da gente

Uma corrente de vento, um frio recorrente

Saudade cortante de algo que nem viu ainda

A face linda da lua escondida

Um lado desconhecido da noite e da vida

Não sei dizer se era silêncio

Ou se era apenas uma ausência de ruido em meus ouvidos

Naquela hora sagrada, em que a vida não diz nada

Onde um coração, calejado, entende tudo

E se lembra de uma frase há muito lida

Descobre que a compreendeu, com ar de sabedoria

Embora tarde, era sobre outra coisa que ela versava

Arde de forma boa, como a noite linda

E que tinha sido linda desde sempre

Pode ser que tenha sido eu a deixá-la voar à toa

Que mirei o olhar ao chão e que ali deixei ficar

Por que não há de ser o mundo assim também?

Edson Ricardo Paiva.