RUA - DELÍRIO DE TRANSEUNTE



Apresentação


As nossas vivências trazem em si os traços de algum lugar ou de vários lugares. O cotidiano desfila pelas ruas e avenidas com seus dramas e suas alegrias. Somos transeuntes de nós mesmos e do mundo, numa eterna e persistente mudança. A rua é esse espaço poético onde nos inserimos diariamente. Na infância quando o espaço coletivo é o momento da nossa ludicidade, o palco é a rua. Então, a rua se torna esse lugar da realização da existência, de liberdades, de revoluções e de poesia.
 
Salvador-BA, 10 de maio de 2021.
Rosalvo Abreu




RUA

Espreita o destino
em cada esquina
enquanto seguimos
trôpegos pelo caminho.

É tempo de encruzilhadas,
tipo “Ipiranga com a São João”.
Nos seus leitos
dormem os sonhos
e a desnuda realidade.

A flor nasce
[mesmo que ainda desbotada]
no asfalto
de qualquer cidade.

Em algum lugar
as lembranças se eternizaram...
- Jogo de bola
- Pega-pega
- Gudes pelo chão
- Corrupios de pião
Na generosidade
das tardes mansas
de tantas ruas.

Em tempos de lua cheia,
sentava-se nas calçadas
fazendo serenatas
entre giros flutuantes
dos lunáticos devaneios.

Passa rápida a mocidade
e o silêncio das ruas
nas noites plenas de amores.
Passa também
- nas ruas -
a alegria dos carnavais.
Passa o samba,
nosso enredo
operários
o amor
passa a banda
e suas canções.

Suas calçadas
são como rios incansáveis
que levam todos à praça,
inspirando encontros,
beijos, abraços, revoluções
e os gritos de liberdade.

Rua insone!

Sob as marquises
dos supermercados
dorme desesperada
a esperança
que vai e vem
entre chegadas
e partidas.

Diante do “pare”
avermelhado
na faixa de pedestre,
tudo passa em mim,
e novamente sigo
curvado e lento
sob um tempo
que teima em escorrer.

Passa, passa, passa,
passa tudo,
passam os transeuntes
apressados, passa a vida
pelas ruas das cidades.
Há uma quietude sideral
em tempos pandêmicos,
um choro solitário e infernal.
As ruas, becos e alamedas
com suas almas cálidas,
aguardam o recomeço.