ÚLTIMA VERDADE
-------------------------------------------ÚLTIMA VERDADE
-------------------------------------------(a forma final)
"Já raro e mais escasso-----------------diferente da prosa a poesia
A noite arrasta o manto,----------------caminha a par e passo
E verte o último pranto-----------------com a música a compasso
Por todo o vasto espaço.----------------neste silêncio que extasia...
Tíbio clarão já cora----------------------é um gesto profano sim
A tela do horizonte,---------------------de uma religião intensa,
E já de sobre o monte-------------------densa, à rima propensa
Vem debruçar-se a aurora.--------------talvez apenas por assim...
À muda e torva irmã,--------------------ser um caminho às curvas
Dormida de cansaço,--------------------capaz de seguir em reta
Lá vem tomar o espaço-----------------até nele se atingir a meta
A virgem da manhã.---------------------de águas sempre turvas...
Uma por uma, vão-----------------------onde, o que se pensa, fica
As pálidas estrelas,----------------------para sempre associado
E vão, e vão com elas-------------------ao canto emotivo do fado
Teus sonhos, coração. ------------------cantado sem motivo, fica
Mas tu, que o devaneio-----------------é sem explicação a forma
Inspiras do poeta,-----------------------única de perpetuar o amor
Não vês que a vaga inquieta------------ou outro sentimento mor
Abre-te o úmido seio?-------------------que more em nós a norma
Vai. Radioso e ardente,------------------de uma moralidade morna
Em breve o astro do dia,----------------e mais sem jeito que haja
Rompendo a névoa fria,-----------------para dizer que ela viaja
Virá do roxo oriente.---------------------enquanto tudo transforma
Dos íntimos sonhares--------------------até atingir a forma final
Que a noite protegera,------------------de uma derradeira verdade
De tanto que eu vertera,----------------onde o tempo perde idade
Em lágrimas a pares,--------------------e o pensamento por sinal
Do amor silencioso,----------------------consegue parar e perdurar
Místico, doce, puro,----------------------até que a morte deixe o ser
Dos sonhos de futuro,-------------------ficar para além dela a ter
Da paz, do etéreo gozo,-----------------uma duração infinita: mar...
De tudo nos desperta--------------------onde o amor à verdade
Luz de importuno dia;-------------------se expressa sem pressa,
Do amor que tanto a enchia-------------em quem com fé confessa
Minha alma está deserta.----------------ser incrédulo de verdade
A virgem da manhã----------------------até que a morte o cale
Já todo o céu domina…------------------e ele continue a si igual,
Espero-te, divina,------------------------tranquilo, de pedra e cal,
Espero-te, amanhã."---------------------sem haver nada que o cale
Machado De Assis------------------------Francisco Coimbra
Este deve ser o sítio onde há mais tempo publico, mesmo se há muito tempo nada torno público. Hoje escrevi este poema, uma espécie de testamento... e resolvi publicá-lo. Porquê, porque sim. Quando uma coisa nos apetece de verdade, para a mesma, não precisamos de explicação, é como uma necessidade.
Tinha acabado de ler Machado de Assis que já morreu e, por tanto, não deu autorização para que aqui o publique. Mas, sendo a sua obra pública, aqui o deixo numa parceria onde o tempo terá importância... só a quem importar. Exporto, cada consciência seja um (bom) porto.
A formatação ficou sobrecarregada---foi o melhor que consegui.
Poema "Stella" de Machado de Assis in "Crisálidas"