NO FIO DA NAVALHA

Desce a ladeira todos os dias, fareja o pão e a menina que passa.

Enquanto a morte não vem segue surdo-mudo às ofensas do mundo.

Impassível, não traumatiza a pobreza, nem reclama seu infortúnio;

senta na praça, anda nas ruas, sobe o viaduto na alegria do gingado do

passista, atravessa o túnel que vai dar no céu azul da zona sul, conquista quem pague uma bebida, conta uma piada, ela ri;

faz amizade, dança um samba, vislumbra emoção;

descola um bico pra comprar o pão.

João é assim, um sujeito de sorte porque ama a vida, é feliz com o que tem e com o que não tem, lamenta a desigualdade que lhe oferece um sorriso de lata porque o ouro a nata escondeu.

Nas vielas do seu coração suburbano o teatro nunca fecha o pano;

a pegada lhe ensinou que batata quente queima,

mas é no fogo da vida que arde o desejo.

Na escola de samba dos seus sonhos é mestre-sala;

malandro que é, não expõe seu calcanhar para os cachorros grandes

morderem; agradece aos santos e orixás, olha pro morro e sente que a ladeira de sua vida não é tão íngreme, nem seus sonhos tão altos.

Sobe o morro, fuma, relaxa.

Amanhã o asfalto quente indiferente volta a ser a passarela do seu destino.

Orlando Alves Ribeiro
Enviado por Orlando Alves Ribeiro em 23/05/2021
Código do texto: T7262622
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