RESISTIR EM TEMPO PANDÊMICO

Estávamos vivos

Seguindo a missão

Descansando das guerras

Caminhando devagar

Resistindo com paciência

Povos e natureza enlace milenar.

Corridas de toras,

Ritual de iniciação

Ensinos da natureza

Sabedoria de um ancião.

Flechas de taquara

Apontam para um caminho sem fim

Séculos de violências

Tenho pena do meu curumim.

Terras invadidas

Pela força e ambição

Cegou o homem de tal forma

Que não vê mais a cor

Nem a beleza da rosa

Sua vista é treinada para ver

Poder, ganância, dinheiro

Que gera fome, violência, desamor.

É tudo se transformando

Madeira virando dólar

Trator abrindo clareira

Liberação de garimpo ilegal

Gerando lucro, grana, no Brasil é real

Poluindo rios, lagos,

Envenenando cachoeiras.

Intimidação aos caciques

Morte de guerreiros

Estupros repetindo a invasão

Racismo ambiental

Traz doença, vícios, ataque total.

Vivemos uma era do medo

De incertezas, desrespeito e confusão

Nossas aldeias estão vulneráveis

Novamente nossas flechas não combatem

A velocidade da munição.

E veio o ano de 2020

Uma pandemia tivemos que enfrentar

As aldeias não conseguiram evitar

Que a doença entrasse matando sem parar.

Muitos ajudaram

Outros cruzavam os braços

E de longe viam a cena passar.

“Terra para “índio”?

Nem um palmo vou liberar”.

Frases de efeito pairam pelo ar

Reduzidos mais uma vez

Nossos guardiões se foram de nós

Ficamos órfãos, lutos intermináveis

Rostos tristes, marcas de dor

Decorrente de genocídio, desamor.

O pajé com seu ritual

Pediu a cura para todo mal

Muitos com as ervas sarou

Outros seus espíritos com um ritual encaminharam

Ao mundo ancestral.

Vi a aldeia virar um lamaçal

Pela devastação da garimpagem

Rios secos sem peixes

E eis que somos chamados de “selvagens”

Justo a nós que usamos da coragem

Para enfrentar os homens da grilagem.

Não permita Seneru

Que destruam com nossa floresta

Somos uma só ciência

Esse verde é o que ainda nos resta

Para respirar um ar mais puro

Combater o aquecimento global

Evitar que as geleiras se derretam

Causando um grave impacto ambiental

Deixando nossas aldeias sem roça

Inundando nossas casas e terreiros

Proteja nossa biodiversidade

De seres violentos, forasteiros.

Quero ver meu curumim

Crescer em boa condição

Sentir o frio da mata

Nadar e beber água sem poluição

Mesmo sabendo que o nó que não desata

Vai ser dele um legado

E terão que buscar novas estratégias

Para continuar defendendo a nação.

Por aqui continuaremos marcando nossa história

Nossa caminhada segue entre perdas e glórias

Obedecendo o ritmo das águas,

A subida e descida das marés,

A clareira na mata escura,

O canto da saracura,

a pegada da onça, a força dos pajés.

Estamos no século XXI

Precisamos fortalecer a fé

Em tempos de pandemia

União é sentir a dor do outro

O olhar perdido da criança

A dor do parto de uma mulher.

Terra Mãe!

Viver é pensar com equilíbrio

É ter pertencimento com o lugar

É sair da alienação

e ver que a natureza é um sujeito a ecoar.

Respeito, direito!

Vem! Protege o teu lar.

Na aldeia de pequenos aprendemos

Que nossa vida está intrínseca a natureza

E um depende do outro,

Nós mais dela do que ela de nós.

Porque nessa relação

O homem tem causado danos irreversíveis ao ambiente

Enquanto que dela recebemos cuidado e proteção,

Sombra e alimento, cobertura do tapiri

Colo materno, acalanto já senti.

Vivemos a geração do consumismo

E o mundo caminha para o abismo

Da desgraça e destruição

Bancos de sementes se esvaziando

E a madeira cada dia tombando

Desaparecendo do cenário

No lugar prédios luxuosos exibem seus letreiros

Mexendo com o imaginário.

Quem tem quer mais

Nunca está saciado

Isso empobrece o banco da natureza

Que nunca fica cheio

Está sempre esvaziado

Não multiplica, não há tempo para abastecer

Porque a todo instante é saqueado

E não damos a deusa verde

Tempo para se restabelecer

Temos a ideia de que “a Amazônia é infinita”

“Inferno verde”

Nela todo mundo habita

Engana-se quem pensa assim

Amazônia é finita.

Onde está o direito de viver da biodiversidade?

Cansada, maltratada pelo mundo que a destrói

Corpo de mulher, alma feminina

Árvore purua, árvore menina.

Digo Não! Ao estupro da natureza

Por todos que abusam na certeza

De saciar sua vaidade, consumo exagerado

Onde poucos tem muito e muitos tem pouco

Enquanto não se criar pertencimento com o lugar

O país seguirá atrapalhado, atrasado,

Virando terra do rei do gado.

E os povos da floresta continuam a viver

Sem sossego, no medo, grilado.

Márcia Wayna Kambeba
Enviado por Márcia Wayna Kambeba em 23/05/2021
Reeditado em 23/05/2021
Código do texto: T7262004
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