O VENTO E O TEMPO
Sou a poeira da estrada,
Cancela torta que range,
Vasculho que o vento tange
Da casa mal assombrada,
Flor que cai despetalada
Soltando aroma no ar,
Sou folha seca a rolar
Nos inóspitos penhascos,
Cerrotes, grutas, carrascos...
E o vento há de me levar.
Sou errante beduíno
De malfadado destino,
No seco chão nordestino
Eu vivo a perambular...
Fui de pequeno a maiúsculo,
Já fui livro, sou opúsculo,
Fui aurora, sou crepúsculo,
E o tempo há de me levar.
Sou água formando bolha,
Pena de ave num galho,
Planta com gota de orvalho,
formiga cortando folha,
Árvore que se desfolha
Para depois se enfolhar,
Vagalume a cintilar
Com singeleza e candura
O sertão em noite escura,
E o vento há de me levar.
Sou firme igual um rochedo,
Seguro como penedo,
Sou mistério, sou segredo,
Sou sentimento a jorrar.
Sou silvestre, sou rudeza,
Amargor e sutileza,
Sou eu, eu sou a certeza
Que o tempo há de me levar.
Sou diamante polido,
A limpidez do cristal,
Itinerário abissal
Em enigmas embebido,
Sou o pranto compungido
Que a dor não quis represar,
Sou sonho a esvoaçar,
Sou manhã parda de brumas,
Sou do mar brancas espumas
E o vento há de me levar.