O VENTO E O TEMPO

Sou a poeira da estrada,

Cancela torta que range,

Vasculho que o vento tange

Da casa mal assombrada,

Flor que cai despetalada

Soltando aroma no ar,

Sou folha seca a rolar

Nos inóspitos penhascos,

Cerrotes, grutas, carrascos...

E o vento há de me levar.

Sou errante beduíno

De malfadado destino,

No seco chão nordestino

Eu vivo a perambular...

Fui de pequeno a maiúsculo,

Já fui livro, sou opúsculo,

Fui aurora, sou crepúsculo,

E o tempo há de me levar.

Sou água formando bolha,

Pena de ave num galho,

Planta com gota de orvalho,

formiga cortando folha,

Árvore que se desfolha

Para depois se enfolhar,

Vagalume a cintilar

Com singeleza e candura

O sertão em noite escura,

E o vento há de me levar.

Sou firme igual um rochedo,

Seguro como penedo,

Sou mistério, sou segredo,

Sou sentimento a jorrar.

Sou silvestre, sou rudeza,

Amargor e sutileza,

Sou eu, eu sou a certeza

Que o tempo há de me levar.

Sou diamante polido,

A limpidez do cristal,

Itinerário abissal

Em enigmas embebido,

Sou o pranto compungido

Que a dor não quis represar,

Sou sonho a esvoaçar,

Sou manhã parda de brumas,

Sou do mar brancas espumas

E o vento há de me levar.

Dideus Sales
Enviado por Dideus Sales em 08/04/2021
Código do texto: T7227100
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