ANDANDO EM CÍRCULOS
ANDANDO EM CÍRCULOS
O que aprendi da vida senão a lição dos homens rudes andando em
círculos.
Como imaginar que o outro lado da margem é limpo,
se me afundo nas águas sujas,
me alimentando do pão de quem estava mais faminto que eu.
Autorizei-me a denunciar a mala volumosa, lépida sob o sono impune
da madrugada, porém, neguei os direitos de quem
perfuma minha roupa, meu paladar e nem ao menos agradeço.
Desejo um mundo melhor, mas no porão de minha mente exclusiva
estacionei o veículo na vaga do cadeirante.
A mão que acena na direção dos interesses sórdidos é a mesma que
aplaude quem assina com tintas de sangue os óbitos do mundo.
Em que lugar de meu espírito acolhe em mim o que de mim não desejo
e me visto de civilidade temperada com o laivo da indignidade em não
devolver o que me foi dado por engano.
Na incessante correria para pegar mais uma flor a compor meu jardim
de artificialidades, não vi seu olhar assustado, preso em sua angústia
veloz e desassistida.
Sou igual a tantos que vê grandeza em seus atos escusos e cobra
polidez do vizinho, no entanto se abriga no guarda-chuva furado da
moralidade sem pecado.
Como posso ser digno do oxigênio puro das árvores que ajudo a
derrubar.
Nesses crimes que cometi e omiti, aumentei a injustiça crônica da
desigualdade e me enterrei no mesmo caixão que a vítima.
Estou cheio de banhar-me no poço infecto dos homens limpos e apontar
o mesmo dedo torto para o porto seguro dos meus privilégios.
Não quero mais derramar lágrimas que não são minhas.
Sou do mesmo barro, areia, cimento, bebo da mesma água impura que
engessa a evolução.