Retrato
Um retrato pendurado na parede;
De homem que não sente dor;
Um homem que não sente sede;
Nem fome, nem amor;
Uma foto singela;
Que talvez foi revelada;
Sem intuito;
Sem porquê;
Sem pra quê;
Pra nada;
Ela me olha sempre igual;
Eu nem a vejo diferente;
Ela tem as qualidades;
Que em mim está ausente;
Ta um pouco amarelada;
Mas da pra ver sua perfeição;
E comparar com o dono;
Imperfeito e sem noção;
Sem rugas;
Sem tristeza;
Sem preocupação;
Uma beleza;
Pendurado à sua frente;
Ela à observar;
Um relógio tic e tac;
Marcas as horas sem parar;
Para ela tanto faz;
Pois ela nunca sai;
Mas ver seu dono à reclamar;
O cabelo ainda é igual;
A bluza a mesma cor;
O jeito sério parece;
Que o dono é um doutor;
Se ela pudesse falar;
Sugerir, opinar
Talvez fosse diferente;
Botava um dono no prumo;
Que seguia sem rumo;
Pra vê-lo sempre contente;
Um dia um idoso a pensar;
Sentou cadeira da sala;
Escorou na mesa a bengala;
E começou a chorar;
Ele que sempre falava;
Mas nunca queria ouvir;
Olhou para a foto e entendeu;
que aquilo que estava ali;
Era o retrato seu;
E aí ele percebeu;
Que o seu tempo morreu;
Mas foto estava lá;
Pra dizer sem saber falar;
Eu olhei o passado de quem;
No presente não soube me olhar;