CINCO SENTIDOS
Sou tentada a ver deus
No azul do céu
No vermelho-amarelo do ocaso
No colorido das borboletas
Dos pássaros das flores
Mas então vejo o vermelho
Da carne dilacerada da presa
Nos dentes do predador
Vejo o amarelo das doenças
Vejo o cinza-roxo da morte
E penso
Não!
Não pode existir esse deus
Sou tentada a ouvir deus
No canto dos pássaros
No murmúrio das águas
No tilintar da chuva
No riso de uma criança
Mas então ouço o desespero
Do grito do animal cansado
Morto pelo animal faminto
Ouço o estalo do relâmpago
Incendiando florestas e vidas
Ouço o estrondo do terremoto
Arrasando cidades e vilas
E penso
Não!
Não pode existir esse deus
Sou tentada a saborear deus
No doce do mel
No sabor variado das frutas
No gosto saúde das folhas e das raízes
Mas sinto o amargo
Dos remédios que não curam
Sinto o gosto de pus
Das entranhas do meu irmão
E penso
Não!
Não pode existir esse deus
Sou tentada a cheirar deus
No perfume da terra molhada
No sumo das frutas carnudas
Nas flores tão belas
Nos cabelos de um bebê
Mas sinto o cheiro nauseabundo
Da ferida gangrenada
Do soldado na trincheira
Sinto o cheiro de sangue
Dos pedaços espalhados
De crianças inocentes
Sinto o cheiro dos cadáveres
Boiando nas enchentes
Apodrecendo nas epidemias
Nas valas comuns do preconceito
Sinto o cheiro de suor
Do medo da presa indefesa
Diante do predador
E penso
Não!
Não pode existir esse deus
Sou tentada a tocar deus
No veludo do pêssego maduro
Na maciez do pelo do gato
Na suavidade da pluma
No movimento da brisa
Mas toco a mão febril do amigo
As rugas sem esperança da avó
A carne congelada do animal
A cinza da árvore que na floresta tombou
E penso
Não!
Não pode existir esse deus!