Mote do apólogo: a linha e a agulha

Tenho servido de agulha

a muita linha ordinária.

Texto "de fôlego" com 70 redondilhas maiores divididas em 7 estrofes (de 10 versos).

Parodiando o apólogo de Machado de Assis, "A agulha e a linha",

que termina assim:

" — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária".

Ressalva: Eu lírico; imaginário;

não é autobiografia deste autor.

O Mote glosado

Só não servi muito a Deus,

por não ser religioso.

Mas, do pobre irmão queixoso,

escuto os queixumes seus;

dou-lhe benefícios meus

em moeda monetária;

e “a flor beneficiária

vira um espinho ou fagulha”.

(Tenho servido de agulha

a muita linha ordinária.)

Ao nascer da alvorada,

não faço o “sinal da cruz”,

mas lembro-me de Jesus,

carregando a “cruz pesada:

foi pisado em debulhada

de semente solidária".

Como baja hereditária,

também entro na debulha.

(Tenho servido de agulha

a muita linha ordinária.)

Sei que é muita presunção

eu me comparar a Cristo,

mas ainda falta isto:

dizer que sou seu irmão!

“Na máquina da gratidão,

abro costura diária;

e na direção contrária,

muito fio ainda se embrulha.”

(Tenho servido de agulha

a muita linha ordinária.)

Ajudei a três partidos,

pensando que um fosse o meu;

mas o seu chefe esqueceu

o que fizemos unidos:

nós nunca fomos vencidos

em campanha partidária!

Em grupo, ele faz plenária

com barreira que me entulha.

(Tenho servido de agulha

a muita linha ordinária.)

Hoje a minha inquietação

subiu além do limite.

Mas não sei como eu evite

juntar mais perturbação:

faço ainda a boa ação

de uma ajuda humanitária —,

que, na hora necessária,

junto a mim, ainda se entulha.

(Tenho servido de agulha

a muita linha ordinária.)

Ficção de brincadeira

Dei passagens de avião,

carro de luxo e hospedagem

aos agentes de viagem,

na crise da aviação.

Mas, na minha precisão

de voar para a Bulgária,

voltei da rodoviária

da cidade de Pampulha.

(Tenho servido de agulha

a muita linha ordinária.)

ESFORÇO EM VÃO

Qualquer esforço é perdido

quando eu ajudo um rapaz

que recebe, mas não faz

um ato correspondido;

e que só quer ser servido,

não faz ação solidária;

é pior do que a malária...

E disso ainda se orgulha.

"Tenho servido de agulha

a muita linha ordinária."

Nota: cada estrofe escrita dia após dia, semelhante a um folhetim (que é feito diariamente).