Poética alquimica - Ouroboros
Sigo em um obstinado retorno ao redor das horas que já se passaram. Um ciclo infindo em torno das finitas
vidas que guardo no útero esquálido das memórias.
Ah, no ventre carrego o tônico fecundo do eterno fogo que consome meus ossos e recria a minha pele.
Voraz, lanço-me às lânguidas chamas com a certeza de que do pó hei de retornar.
De minhas entranhas brotam memórias à flor da pele.
Então amordaço-as e as volvo para o meu útero, donde a luz de um novo eu descansa pronta para renascer.
A criatura Nietzschiana que visita-me anualmente, esgueira-se sobre a matéria de mais um ano decrépito que definha e pergunta-me:
- O que farás de ti se os pulmões asmáticos do passado tornarem a esvaziar o ar das tuas expectativas?
- Digo-lhe que hei de encarna-los aos meus e sorver a vida com todas as tuas dificuldades respiratórias.
Ela sussurra:
- Então planta teus defuntos na terra
e viva 12 meses de espera, por conseguinte, presenciará a fúnebre gestação de mais um ano morto, pobre aborto desvalido.
Mas a vida retenho em meu âmago e secretamente a contraio frente aos tecidos na tragédia da minha formação.
Hei de adentrar teu solo
E dele expelir-me.
Que a vida se rasgue ao lançar-me
ao mundo, pois já não anseio tua paz.
Por dentro expando-me
Por dentro o convívio fossilizado ressuscita e impele-me à criação de novas existências.
Nas escavações da alma
Faço-me eterna
desmedida
Sem começo ou fim.
- Letícia Sales
Instagram literário: @hecate533