Quem já foste?
Tu já foste o fulgor calmo da aurora?
Já colhestes bondade de tanta aridez?
Consegues rir e chorar de tua estupidez?
Tu já foste fonemas e verbos de poesia?
Já esqueceste de ser piedosamente feliz
Para fazer brotar (em teu amigo) alegria?
Tu já foste aquela antiga e terna canção?
Já ficaste verdadeiramente venturoso
Por alguém estar rindo e saudoso?
Mesmo sendo um riso vazio na tua solidão?
Já choraste ao ver o silêncio do pássaro a morrer?
Ou ficaste com o teu olhar olhando alguns retratos
Quando compreendeste que teu bruto entardecer
Futuro será engolido pela voracidade do passado?
Já sofreste pelos que sofrem,
Nas beiradas das lápides
(tão tristes, tão eternas)
Nos leitos dos que tanto morrem??
Já pensaste que enquanto lês
Há alguém se suicidando?
E as lágrimas choram sozinhas
Quando tu estás velando e amando...
Já foste copo cheio de água e alento
para a sede de quem tu amas?!?
Já tentaste acariciar a tristeza do vento
Enquanto o amor alheio brilhava em chamas?!
Tu já foste os frutos pisados
pelos pés de quem te era leal?
Mas o lírio do perdão foi abandonado
Na beira daquele rio cheio de dor ancestral.
Tu já foste para ti mesmo alegria?
Então, por que toda essa correria?
Por que há os barcos dessas alegorias
Que navegam tão sinuosamente
Sob os ventos das cotidianas ventanias?
Então, apalpa sem medo teu irreal rosto,
Tu consegues ver-te quem foste e quem és?
Alguém pranteou o teu espírito deposto
quando teu sol caiu naquele icônico revés?!
(Gilliard Alves Rodrigues)