O SENHOR DA RAZÃO

Na verdade, só o tempo mostra a realidade,
Porque só ele tem a propriedade do espelho;
Se ontem minha opinião era minha verdade,
Hoje, minha verdade é apenas um conselho.

 
O tempo é como um ácido que tudo dissolve,
Ou como um rio que tudo leva e não devolve.
Ontem eu podia caminhar muito sem cansar,

Hoje eu me canso sem nem mesmo caminhar.
 
E toda juventude é sempre bela por natureza,
Pois do novo, a melhor propriedade é a beleza.
Ontem eu amava muito o prazer de namorar,
Hoje eu namoro o prazer de ainda poder amar.
 
E a madureza chega como se fosse uma brisa.
Vem de mansinho, tudo envolve e não avisa.
Ontem eu podia viver bem sem compreender,
Hoje o que preciso é compreender para viver.
 
É o vai e vem da vida é que sustenta a espécie,
Como uma semente que vira planta e floresce.
Ontem eu colhia, e tudo parecia ser de graça,
Hoje sou o agricultor, outros colherão a safra.

Viver é como u'a garrafa de vinho envelhecido.
Quando aberta, é preciso que tudo seja bebido. 
Ontem, o meu desejo era que o tempo voasse,

Hoje, ando devagar e gostaria que ele parasse.
 
Quando se acredita que basta sentir para viver,
Se mais sentimos mais se vive na ilusão de ser;
Ontem, ganhar amor consumia meus talentos,
Hoje dar amor é o prazer dos meus momentos.
 
E a felicidade é como uma nuvem de fumaça,
Se mais forte o vento, mais depressa ela passa.
Ontem, ser feliz era não ter responsabilidade,

Hoje, ser responsável virou o charme da idade.
 
Pois a verdade não anda junto com sabedoria,
Uma brilha de noite, a outra só aparece de dia.
Ontem eu pensava saber tudo, e estava errado,  

Hoje eu sei que não sei nada, e tenho acertado.
 
Idade é um prato que precisa de bom tempero,
Do contrário ela se torna receita de desespero.
Ontem comia de tudo e não havia o que comer, 

Hoje, com tanta comida, minha fome é de viver. 
 
Achar que tudo pode é o tesouro da juventude,
Mas chuva de uma noite nunca enche um açude.
Ontem, tão valente, só tinha medo da má sorte,
Hoje tão medroso, não temo nem mais a morte.


(Do nosso livrro- A poesia da Cabala), no prelo.