Sinto-me às vezes tocado, como um pronuncio de morte…

Sinto-me às vezes tocado, como um pronuncio de morte…

sinto-me às vezes tocado, como um pronuncio de morte…

como se a vida acabasse ali, debaixo do chão

depois de tudo e antes do amanhã,

e como se tudo o que tenho feito, pensado,

sonhado, imaginado, querido, não valesse nada…

talvez seja uma doença amar assim tão desconcertadamente

amar como homem, com os genitais…

talvez seja quente ou frio, mas não sei o sabor da morte ou do seu beijo

não sei se ela me abraçará, sei que virá o silêncio…

é difícil descrever o que se sente, quando realmente se sente

é tão mais fácil e cómodo descrever o que se finge

não sei quais serão as palavras humanas as que usarei

sê é que usarei algumas para dar voz ao que sinto…

não sei se estou ou sou doente, mas habita-me um sarcasmo na vida

um desalento que ultrapassa os limites da minha individualidade

impondo limites colectivos a coisas que apenas são minhas

que morrerão em mim sem que as grite…

porém sou um homem normal, com normais doenças

- será a morte apenas um sono do qual não se acorde?

[será que sonhamos mortos?]

Há momentos em que cada pormenor vulgar tem toda a importância

apenas pela sua vulgaridade, e pela singularidade da sua ocorrência

(como um beijo antes de ser dado, na desistência de o dar)

Fica apenas o desejo de o receber…

sinto-me às vezes tocado, como um pronuncio de morte…

como se a vida acabasse ali, debaixo do chão

depois de tudo e antes do amanhã,

e como se tudo o que tenho feito, pensado,

sonhado, imaginado, querido, não valesse nada…

em que as paredes do meu reles quarto se fechassem sobre mim

e me absorvessem como matéria, e eu fosse apenas pó…

sem memória da existência do abraço que ficou por dar…

Alberto Cuddel

30/07/2020

00:50

Poética da demência assíncrona...

Alberto Cuddel
Enviado por Alberto Cuddel em 24/11/2020
Código do texto: T7119773
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