Ser e Ter
A vida é realidade e ilusão que nos desafia.
Num equívoco de propósito nos focamos em aprender a ter,
E em certo sentido somos provados em ser.
Na ilusão que o tempo nos promove,
Não damos conta de nossa finitude,
E perdemos o equilíbrio entre o ser e ter.
É tão simples seguir o caminho do ter,
Hipocritamente se fazem altares para o ser,
Onde as essências do ser viram mercadorias inexistentes,
Ouro de tolo, na mão daqueles que apenas louvam o ter.
Quanto pensar, por que se incomodar?
Não será sempre mais simples viver o cotidiano?
Seguir o destino bovino das manadas,
Crer em dogmas da crença ou da razão.
Somos pássaros que têm prazer em ter as asas quebradas.
Mas no silêncio o ‘ser’ está ali a lhe acompanhar,
Mas escravos do ter, viciados em nossa finitude,
Acabamos a perceber seu sucateamento de modo tardio.
Não são memórias do pensamento,
Pois que o cérebro parece perde parte de seu vigor,
Mas é o coração que fala.
É uma voz em tom baixo, que apenas murmura.
Como que se fizesse uma auto confidência a si.
E então como fugir de si?
Dramaticamente patéticos, eis-nos em nossa humanidade!
Fazendo sacrifícios em altares vazios,
Erguendo com ganância nossos castelos de cartas.
Eis que o destino reserva velhas fotografias,
Grandes preciosidades que serão tratadas como sucatas.
E talvez quando a consciência surgir,
E desvendar o ser,
Acabemos por almejar a ser nada,
Ante tamanho incômodo do estoque de consciência.
Despidos do ter que supomos ser tudo,
Mas que ao fim será mero pó da terra.
Um epitáfio predestinado de cada um.
Então, decidir nadar contra a corrente,
Ainda que sofrendo, buscar o ser,
Não desrespeitar o ter,
Mas encontrar o equilíbrio entre estes polos.
Recolher as asas, mas ainda sonhar com o voo,
E não mutilas em prol do ter,
Não perder o sonho de alçar voo.
08/11/2020