O outro

No momento dramático,

inesperado de esquinas,

que,

furtivas,

encontro o outro.

Quis socar sua cara impassível.

Falar palavrões e ofensas sutis de botequim

e responsabilidades.

O outro,

sempre intruso,

sempre inconveniente,

sempre torpe, risonho pueril.

Tomou-me, o outro,

a namorada de sete primaveras,

a paz de plástico,

a calma do conformismo.

Tomou-me esse amor

que foi o mais perto do sentido de amor que tive.

O outro levou

meus cabelos pretos,

levou minha hora reclusa,

minha hora do riso,

minha hora de adeus.

O outro,

ébrio e insone,

amigo íntimo do abismo,

suicida arruinado,

iconoclasta do imoral

e do entendimento falso da lascívia.

Levou-me o tempo,

o ócio,

o ouro,

o brilho,

o trilho,

o censo,

o ridículo.

O outro,

homem descuidado,

distraído na própria glória

do nunca veio.

Homem velho,

ególatra de barro,

levou-me o muito,

levou-me o pouco,

levou-me o sal.

Hoje,

o que sou,

o que clamo

e calo

é a sobra,

migalha,

cimalha que oculta meu franzir,

o engulho,

da lágrima

que o outro, ainda,

deixou em frente

da superfície vítrea

e translúcida do espelho.

O outro ainda não foi embora.