Cá estou eu...
Cheio de razões piedosas
revoltado com o não-nascimento de uma criança
que não foi gerada em amor, mas em covardia,
fruto de uma tara diabólica e cruel.
Não me interessa a brutalidade do ato,
tampouco a vida que viria a ter a criança
depois de conhecer a sua própria história,
menos ainda a vida já marcada e destruída aos dez anos.
Cá estou eu...
Desejando mais uma criança sem vida, vivendo num orfanato
que, aliás, eu conheço tão bem de belas ocasiões
pois lá eu sempre levo cestas básicas, chocolates e agasalhos
lavando e enxugando as mãos na mesma água e toalha de Pilatos.
Não, pelo contrário! Eu quero uma família para cada criança,
desde que os pais sejam héteros, brancos e da Zona Sul,
se não for assim, é contra os princípios da divindade
que eu criei para ser o álibi perfeito para os meus atos.
Cá estou eu...
Em dias de pandemia, trabalhando no conforto do home office
fazendo comentários legais a favor dos enxotados de Campo do Meio
afinal, sou a favor de terra, moradia e condições igualitárias para todos,
desde que nenhum desvalido venha ocupar o bairro onde moro.
Aceito de bom grado que o vizinho tenha uma célula da igreja em sua casa,
gosto dos tapetes e até ajudo a varrê-los, após a procissão passar pela minha porta,
não compreendo, mas acho interessantes aqueles encontros para meditação,
mas torço o nariz para os ritos africanos que deixam seus rastros na esquina.
Cá estou eu...
Preocupado em gritar as minhas crenças
em nome de um deus que castiga com fogo e inferno,
seguindo uma lista de preceitos bem elaborados
a fim de proteger a mim e aos meus de todo mal.
Aponto o dedo com brados de zelo e amor, mas acredito
num deus que perdoa as minhas falhas e as insignificâncias de outrem,
enquanto desconheço um Deus que ampara a menina de dez anos,
que recebeu no colo a criança e que armou barraca junto aos de Campo do Meio.
Cá estou eu...
Incapaz de acreditar que o Deus que desconheço
é capaz de amar e acolher do estuprador ao governador,
que Ele conhece o coração do policial e do homem do trator
e é capaz de entender até a minha incapacidade de perdoar.
Incapaz de compreender a verdade que liberta,
o amor que acolhe, o Divino que se faz humano e sofre,
mas capaz de eleger um representante que, em nome de um deus,
nos incentiva a comprar armas e exercer o próprio juízo.
Cheio de razões piedosas
revoltado com o não-nascimento de uma criança
que não foi gerada em amor, mas em covardia,
fruto de uma tara diabólica e cruel.
Não me interessa a brutalidade do ato,
tampouco a vida que viria a ter a criança
depois de conhecer a sua própria história,
menos ainda a vida já marcada e destruída aos dez anos.
Cá estou eu...
Desejando mais uma criança sem vida, vivendo num orfanato
que, aliás, eu conheço tão bem de belas ocasiões
pois lá eu sempre levo cestas básicas, chocolates e agasalhos
lavando e enxugando as mãos na mesma água e toalha de Pilatos.
Não, pelo contrário! Eu quero uma família para cada criança,
desde que os pais sejam héteros, brancos e da Zona Sul,
se não for assim, é contra os princípios da divindade
que eu criei para ser o álibi perfeito para os meus atos.
Cá estou eu...
Em dias de pandemia, trabalhando no conforto do home office
fazendo comentários legais a favor dos enxotados de Campo do Meio
afinal, sou a favor de terra, moradia e condições igualitárias para todos,
desde que nenhum desvalido venha ocupar o bairro onde moro.
Aceito de bom grado que o vizinho tenha uma célula da igreja em sua casa,
gosto dos tapetes e até ajudo a varrê-los, após a procissão passar pela minha porta,
não compreendo, mas acho interessantes aqueles encontros para meditação,
mas torço o nariz para os ritos africanos que deixam seus rastros na esquina.
Cá estou eu...
Preocupado em gritar as minhas crenças
em nome de um deus que castiga com fogo e inferno,
seguindo uma lista de preceitos bem elaborados
a fim de proteger a mim e aos meus de todo mal.
Aponto o dedo com brados de zelo e amor, mas acredito
num deus que perdoa as minhas falhas e as insignificâncias de outrem,
enquanto desconheço um Deus que ampara a menina de dez anos,
que recebeu no colo a criança e que armou barraca junto aos de Campo do Meio.
Cá estou eu...
Incapaz de acreditar que o Deus que desconheço
é capaz de amar e acolher do estuprador ao governador,
que Ele conhece o coração do policial e do homem do trator
e é capaz de entender até a minha incapacidade de perdoar.
Incapaz de compreender a verdade que liberta,
o amor que acolhe, o Divino que se faz humano e sofre,
mas capaz de eleger um representante que, em nome de um deus,
nos incentiva a comprar armas e exercer o próprio juízo.