Palácio mental
Disponível na revista Planície Científica pelo link: https://periodicos.uff.br/planiciecientifica/article/view/40938/pdf#
Por uma janela, a paisagem
Do meu corpo primaverado de sol
Fundido a outro de folhas secas
Cena desenhada em nuvens plenas
Com pena-tinta pertencente às artes finas
Traços modestos, certeiros e inquietantes
Meu corpo incógnito pairado imóvel
Teatralizava-me para o público de um só
Era perceptível pelos olhos da artista
Eu, prazerosamente, me auto-desenhava
Uma artista ensandecida pela perfeição
Escamoteada pelos vales de cadáveres
A primeira, cheia de si, se exibia
A segunda observava o reflexo na retina
A terceira, por fim, a criativa artista
Sou uma em três
Três em milhões
Milhões incontáveis, vivas e mortas
Li minha vida em inúmeras páginas
Estilhaçada em segredos impenetráveis
Remoendo frustrações incuráveis
Sou uma pintura rara
Esculpida em letras próprias
Pela turva e confusa literatura
Uma xícara quebrada ao chão
Sujou meu palácio de vidro imaginário
Eu mesma um quebra-cabeças
Em círculos que me devolvem ao início
Encontro a vida e a plenitude
Guardadas na minha biblioteca mental
A clínico-neuro-biologia está entregue
A cada parte do mundo que me experimenta
E ao mesmo tempo está tudo em mim
Entre, disponha, esbanje
Aproveite o labirinto que sou
Mas ao sair deixe o palácio intacto
Falo o idioma da reciprocidade
Prometo devolver o favor
Não me obrigue a lhe quebrar
Observo pela sacada o horizonte
A linha torta de minha existência
Findando com mais um pôr do sol
O que me restou foi escrever
Nas mesmas folhas secas
Que me enredou até aqui
Existiam de fato três
Ou toda essa cena foi criada
Pela astuciosa artista?
Entre em’inha mente
E talvez saiba
Apenas não quebre outra xícara.