SOB O PIO DAS ANDORINHAS
Ultimamente...há um espanto mudo
Silenciosamente espargido pelos ares.
Sinto como se
Uma inquietude balançasse as folhas
Num cochichar desesperado e inaudível.
Um cenário quieto
Agitado pelas incertezas dos tempos.
As andorinhas, algo piantes, sobrevoam as dores
Dum inverno atípico e prolongado
Sem nada saberem do seu derredor.
Inocentes,
Ziguezagueiam sob um céu
De nuanças cinzas
A despeito das auroras
Radiantes que maquiam as realidades.
Ouvi dizer
Que o sol se envergonha
De ainda brilhar nas belas auroras,
E nos pede desculpas.
Os trilhos do Metro hoje foram interrompidos.
A imitar os trilhos das vidas
Que rodam a esmo
Sobre os dormentes já paralisados e sem destino,
Todavia com mais pontos de paradas
Incertos e imprevisíveis.
Quantos trilhos rangentes nos caminhos
Que não levam a lugar algum...
De repente quantos ares rarefeitos
Em dispneias programadas
Sem que alguém sinalizasse com precisão
Tantas asfixiadas partidas.
Entretanto...
Quantos Homens engravatados
A abrir os peitos nas suas encenadas glórias
Sem glória alguma.
Quantas nítidas constatações
Das suas eficientes falências maquiadas nos palcos.
Quantas impotências
A enganar os olhos do tempo
E a acionar as palmas
Das sempre mesmas mãos vazias de tudo.
Quantas glórias viciosas...
Viciadas no patético ópio das vaidades impunes
Que dilaceram a percepção assustada
A açoitar a expectadora poesia
Que já não pode fazer mais nada.
Porque também lhe falta o ar.
A ela, tal qual à farra das andorinhas
Lhe resta imitar seu canto de dores moribundas
Maquiadas em versos brancos e vazios
Sobe a inspiração que bate à porta das negligências
E das insolvências!
Esse tudo que resvala o resgate
Das tantas vidas
Ao léu dos seus genuínos poemas.
Pobre poesia...quem diria...um dia.
Abatida,
Solta seu derradeiro resfôlego consentido,
A seguir calada e soterrada
Como na triste vala comum
Onde jaz toda a
Sensatez dos Homens.
Soa, então, mais um pio desorientado das andorinhas.
Só inconscientes pássaros
Que ziguezagueiam como se em oração...
Na trajetória dum rigoroso inverno,
Como as vidas!
Sempre sem data marcada de partida.