O poema

O poema

1º rascunho - Assim começa o poema:

A linha magra, curva e retocada, com calo e rangido nas dobras.

A fundura do vento ainda não lhe pertencia,

nem as fibras.

Reflexos se amassam.

Feio, sonha.

2º rascunho - Buscar o espírito das coisas:

Em repouso à linha a ponta de uma lança.

Aqui, o poema roça de leve o verso criminoso;

uma violência de reaver o espírito das coisas.

O poeta, velho e nu, ainda espera a fantasia

a lhe tocar as doces liras nas costelas.

Devolvia o poente.

3º rascunho - Um sonho que sobe:

Já vê-se assentando a vista.

Imita bordados.

A mão aos olhos se mistura,

como a faísca de um punho fechando.

Acesa, a borda,

o mundo inteiro afana.

4º rascunho - A forma:

Em frouxos portões que o vento abre,

fazendo frete às paisagens,

a vaga junto à anca enrija.

Se cobre o passo

a alma salta.

Enfim pronto - Epifania:

Por traje, as convulsões.

De pé o chão desmaia.

O poema traça a curva que Deus dá,

o poeta é mero fogo de artifício,

barcas emprestadas das margens de um rio.

- Escrevo um poema com a lentidão de uma rosa; como ao pintor as raízes de um barco de passagem. Busco o peso das árvores no céu, onde o sol queimasse ainda mais. Faço versos pra lá dos arbustos, olhando a enxurrada em movimento ao mangue ao se unir à várzea atrás do sol e rezo.