QUARTO ESCURO

Há um quarto escuro em mim

em minha existência

onde escondo meus horrores

minha vaidade

meu egoísmo

minha avareza

meus medos

minhas incertezas

Obrigo-me a viver na sala

Mostro-me na antessala

Enquanto nos fundos

Escondo tudo o que não gostaria de ser

Nem de ter feito ou pensado

E despejo o lixo de minhas omissões

Há um quarto escuro em nós

onde escondemos, por segurança

tudo o que nos assombra

que nos faz duvidar

de nosso amor

de nosso valor

de nossa coragem

de nós mesmos

É ali que escondemos

a vontade de morrer

de matar

de dizer não

de se arrepender

de ir embora

de revoltar

de dar adeus

de perdoar

É a masmorra

para minha soberba

Um calabouço

para meu ódio

Uma prisão

para minha vaidade

Onde trancafio

toda a liberdade desimpedida

e tudo que poderia

libertar o mal

que há em mim

e habita em nós

Esse quarto escuro

É onde arquivamos

Tudo o que um dia desejamos

E não poderemos mais fazer

Onde estocamos sonhos impossíveis

Nossos desejos indizíveis

Nossas virtudes malfazejas

E nossas manias tresloucadas

Temos nós um quarto escuro

N’alma ou no coração

Onde somos sem máscaras

E, por isso, não podemos sair

Há um quarto escuro em todos nós

Sem o qual seria impossível

A vida em comum