UM CORPO HUMANO
UM CORPO HUMANO
1° ROUND
Eu sou um corpo humano levando porrada.
Um corpo, humano, se ferrando e envelhecendo.
O supercílio cortado jorra sangue do olho inchado,
borrando a visão do que me cerca,
enquanto resisto em pé, trocando as pernas.
Abraço o adversário e o empurro contra as cordas,
mas o soco, de baixo para cima, não encaixa…
O gongo soa finalizando meu estupor.
2° ROUND
Eu tenho um grande plano, eu sei: Ficar de pé!
Tenho de me manter longe dos golpes; rodar o ringue.
Olho em seus punhos e traquejo… Nunca se sabe
d’onde vem a próxima porrada.
Ataca. Recua, Avança, Defende, Guarda posta.
E respiro, respiro, respiro, respiro…
O gongo soa sem me dar por conta:
Desabo no tamborete do canto.
3° ROUND
Agora ele vem, como uma máquina, ele vem.
Troca golpes como se de aço os punhos…
Acto contínuo, gingo e golpeio, mas apanho.
O corpo que sou fala em minha mente: Basta!
No entanto, é a ausência de consciência que me derruba
quando um golpe d’ele, afinal, encaixa.
D’um instante para o outro, estou no chão. Abrem contagem.
Ponho-me de pé, assustado.
Ele me estuda o estrago e sorri...
4° ROUND
De repente, não estou no ringue com o outro: É o Fado!
É ele quem troca socos comigo e me derruba.
Brinca com minha estratégia de saco de pancadas e me cansa
como se eu fosse um gatinho em suas mãos poderosas.
Está lá, ameaçador, a cada instante,
cioso de ter nas mãos o golpe fatal.
Espera, sabe-se lá porquê, o tempo propício
para me levar à lona outra vez. Nem disfarça mais
a força que exibe face a meus passos.
O gongo bandala e ele me olha, adversário.
5° ROUND
Pedem-me para jogar a toalha. Eu lhes pergunto:
— “Que diferença faz?!”
Sou algo físico! Um ser físico! Um corpo humano!
Levanto minhas carnes. Cambaleio no vazio.
O outro saboreia minha caminhada sem prumo…
Assim o Fado: Desgasta-nos. Pune-nos. Surpreende-nos.
n’um combate desigual, pois, não cai ele.
Ele me atravessa, incólume, a existência.
Nada do qu’eu faça o alcança.
Nada o diminui ou afasta.
Ele joga comigo, titereiro alegre, a seu bel prazer.
Até que se canse e me aniquile:
Na lona, outra vez, para não levantar!
Temos um vencedor.
Betim - 07 06 2020