Findar da Tarde
Um céu plúmbeo
Desenhando um outono,
E o vento de um lado para o outro
Balança os galhos quase secos,
Os ramos trépidos que se desesperam,
Às folhas que esvoaçam
Onde o mato alto geme.
Enquanto a tarde despede-se lúgubre,
Entre cantigas de passarinhos,
Insistem, lá embaixo, no terreno abandonado,
Os meninos empinando pipas.
São tantas pipas, tantos meninos,
Tantas cores, tantos anseios de liberdade,
Nos céus entristecidos...
- O vento vadia para as danças das pipas!
Lá vão elas... quais façanhas,
Invadem o entardecer,
Brincam, giram, descem e sobem,
Bicam e desbicam, em cruzamentos bélicos;
E um cachorro late no findar da tarde.
A pandemia rasga sonhos,
Rasga vilas, bairros e cidades.
Quantas máscaras nós vestiremos,
Quantas mais desvestiremos?
Esquecemos de olhar para trás,
E linhas cortantes se cruzam nos céus...
A pipa perdida vai caindo, desmaiando, morrendo
Aos gritos de lépidos meninos,
Num recado pras nossas vidas hoje incertas.
Longe... ouço um som de funk soturno,
De inquietantes juventudes;
Não se importam com as mortes,
Nem com fascistas do mundo.
Num suspirar de esperanças,
Meninos sobem nos telhados,
Arriscam acidentes;
Como os médicos nos hospitais.
Um mais sagaz, sem máscara,
Pega a pipa, colorida e desmaiada, pela rabiola;
E cachorros latem nos quintais
No findar da tépida tarde.
Mas um raiar de sol rompe as nuvens,
Surpreendendo os horizontes,
Disfarçando as mortes.
Gigio Jr (Poemas da Chuva – 2020)