O JUMENTO E O CAVALO
“Ode Pensadora”
Dois animais ficaram distintos na história,
Um de nome jumento, outro de nome cavalo.
O primeiro, má vida, curta e irrisória;
O segundo, bela vida e repleta de regalo.
O jumento, coitado, maldotado de memória,
Só trabalho e mais trabalho e reles vassalo;
O cavalo, um senhor e dotado para a glória,
Só prazer e bom trato e poder sem intervalo.
A escola do primeiro foi vida de burrice,
E sempre ao beija-mão e na ingenuidade;
A escola do segundo, só de gabarolice,
Usuário de mordomias, presunção, vaidade.
O pobre do jumento, zurrando mansidão
Co´ a sua dieta toda feita de mil abrolhos
E nem o pão-de-ló faz parte da ração
E, nos duros trabalhos, vendas sobre os olhos…
O cavalo, qual príncipe de linhagem real,
Relinchando por boas favas e pouca erva,
Ele faz questão de nunca ser tratado mal
E, d´ altas honrarias, é imagem e reserva!
O jumento e o cavalo, o cavalo e o jumento –
O povo e a nobreza, a nobreza mais o povo –
Tão grande é a diferença, quanto a tratamento
E, debaixo do sol, nunca nada se fez de novo…
A estória do jumento é a história de Sancho Pança,
A estória do cavalo é a história de Dom Quixote,
Qualquer dos dois, bem ponderados na balança,
São testemunhos vivos disfarçados de capote.
- A minha maior honra foi co´ o bom Cristo ver
Aquela Jerusalém rendida de par em par…
- A minha maior glória foi co´ o Ben-Hur vencer
Aquela grande corrida que era para ganhar!
- Eu, cá pra mim, já me chego de minha burrice,
E a quem me usa por bem sempre feliz o deixo
E há até quem diga que este jeito não é tolice,
Pelo contrário, é pura ciência, como disse Aleixo.
- Olhem lá, este pedante, a querer fazer troça…
Vou sacudir o pó e seguir minha viagem:
Enquanto ele, burro de carga, puxa a carroça
Eu me orgulho com uma luxuosa carruagem!
Neste debate nada existe em desarmonia
Mas comporta esta minha Ode Pensadora,
A vivência concreta, cantada em poesia,
Duma história dramática denunciadora.
(Entre jumento e cavalo não opines ao de leve –
É este o argumento qu´ a ninguém desilude –
Antes quero, porém, jumento que me carregue
Do que cavalo que a cada hora me derrube.)
Frassino Machado
In RODA-VIVA POESIA