SELF DO TEMPO
Confundo pegadas e chegadas.
Sou um homem do meu tempo
perco horas em notícias
e conto dias para feriados.
Consumo-me em vitrines e lanchonetes
e, resignado, pago planos de saúde.
É preciso acordar pessoas.
É preciso dar um up grade.
É preciso ser bem sucedido.
É preciso trocar a televisão.
Em verdade estamos todos mudos
apesar de todo irritante barulho.
Jogamos fora vasos e flores
alegando não termos mais tempo.
Reparamos em carpetes e tecidos.
Furamos fila e deixamos tudo pra amanhã
sonhando com um futuro melhor,
mais justo e sem corrupção.
Entre o respeito e o hi-tech
caminhamos numa linha vertiginosa.
Por isso precisamos de aplicativos e mentiras.
Por isso estamos ficando cegos.
Talvez por isso o tempo passe tão rápido
e os casais se divorciem mais frequentemente.
Confundo pedras e pássaros.
Sou de fato um sujeito simples e funcional
coloco retratos nas paredes
troco lâmpadas e amigos
decoro capitais, algumas regras de etiqueta
e ouço música finais de semana.
No fundo somos todos a imagem e semelhança
de personagens de novelas já esquecidas
perdemos aquela doçura
e nos conformamos com uma cultura
(patriarcal e sexista)
convictos de que não temos preconceito.
Acumulamos sapatos e frustrações
enquanto a pressão vai nos matando
e os impostos aumentam.
Mas quando tirarem a última self
chegaremos a letal conclusão:
- É preciso reinventar o abraço!