SÃO PAULO NOS TEMPOS DO CORONAVÍRUS E DA QUARENTENA
São Paulo, 26 de março de 2020.
A cidade que nunca dormia
Está agora adormecida em pleno dia
E a rua em que caminho
Está repleta de nenhuma viv’alma.
São Paulo nos tempos da COVID-19.
São Paulo nos tempos da pior pandemia
Desde a gripe de 1918.
São Paulo nos primeiros dias
Da quarentena de 2020.
Cortando o silêncio da rua deserta,
Um carro passa com o som ligado
E então ressoa a voz de Raul Seixas
Cantando “O dia em que a Terra parou”.
Sinto-me agora nos longínquos dias
Do final do ano de 1918,
Quando São Paulo parou
Por conta da “gripe espanhola”
Que nada tinha de espanhola
Ou então num romance de ficção científica,
Talvez “O dono do Mundo”, de Plínio Salgado.
Ontem quis sonhar que estava em São Paulo
No ano de 1920,
Mas acabei sonhando que estava
Na mesma Pauliceia
Em outubro de 1918,
Vendo os caixões lacrados que chegavam
Ao Cemitério da Consolação iluminado
Na madrugada triste, garoenta
E nevoenta.
São Paulo nos tempos do coronavírus.
São Paulo no início da quarentena de 2020.
Há pouco lembrei-me de Gustav von Aschenbach
Morrendo em Veneza numa epidemia de cólera
E senti no peito uma funda nostalgia
Da cidade das mais de cem ilhas
E das mais de quatrocentas pontes.
São Paulo nos tempos do coronavírus e da quarentena.
Sinto agora uma funda vontade
De tomar uma Corona gelada
E de caminhar pelas ruas desertas
Do Centro de São Paulo
E pela Avenida Paulista
Onde nasci no século passado
E na aurora da minha vida
E que agora deve estar mais tranquila
Que em 1900.
São Paulo em tempos de pandemia e de quarentena.
A cidade que não podia parar parou.
A cidade que não dormia
Está agora adormecida em pleno dia
E a rua em que caminho
Nesta fria tarde d’outono
Está repleta de nenhuma viv’alma.
Um sagui passa caminhando
Sobre os fios de luz como o equilibrista
Do “Zaratustra” de Nietzsche
E, cortando o silêncio da rua deserta
Da cidade adormecida,
Um bem-te-vi canta
Numa quaresmeira em flor.
Victor Emanuel Vilela Barbuy,
São Paulo, 26 de março de 2020.