OS RELÓGIOS DE SALVADOR DALÍ

Ím - par,

ím - pares,

em pares,

joelho esquerdo,

joelho direito,

direito, esquerdo,

esquerdo, direito,

compassado,

sem passado,

futuro sem!

Os dedos rígidos

da mão

tocam a testa,

continência,

presente!

O corpo sente

o dobrado da banda,

marcho,

esquerdo, direito,

direito, esquerdo!

O relógio,

tic, tac, tic,

tac, tic, tac,

os relógios

de Salvador Dalí,

persistência da memória,

dali, daquele canto,

os relógios de Dalí,

tic, tac, tic,

tac, tic, tac,

marcam tempo,

marcam passos,

direito, esquerdo,

tic, tac, tic,

esquerdo, direito,

tac, tic, tac!

A história marcha,

contingente marcho,

passos sincrônicos,

simétrica marcha,

balé mecânico

do corpo engrenagem,

máquina corporal

azeitada de ilusões

libertárias,

sexo aeróbico,

sem fluição,

libido controlada,

no banco

traseiro do automóvel,

aos olhos

das câmeras do elevador,

num prazer simulado,

prazer de liberdade dada,

liberdada!

Sou da geração Beat,

viajando

numa liberdade

de vagão de trem,

sou sexo, droga

e rock and roll,

guitarras, fuzis,

napalns incendiárias

queimando Woodstock!

Paz e amor,

uma foto com Kodak,

um sorvete da Kibon,

um gole de Coca Cola,

sou livre, livre

vestindo minha US Top,

expondo-me

com minha calça Lee!

O blues de Jane,

Pink, Joplin, Floyd,

Hendrix,

anticoncepcionais e LSD!

O sonho acabou,

diz Lennon!

Sonho? Que sonho?

meu sonho-pesadelo é contínuo

na liberdade dada,

liberdada!

O relógio,

malditos relógios de Salvador Dalí,

tic, tac, tic

tac, tic, tac,

persiste, tic, tac,tic,

com a memória, tac, tic, tac,

atormentando meu silencio,

fazendo-me perder

o fio da meada

e ficar pisando em cinzas,

cinzas de seres humanos,

Sodoma, Gomorra,

Pompéia, Hiroshima,

Amazônia, Auschwitz,

tic, tac, tic,

tac, tic, tac,

os relógios de Salvador Dalí

e os sons das rodas de ferro,

o som dos trens lotados,

soam ritmicamente

nos meus ouvidos,

Auschwitz, piui, Auschwitz, piui,

Auschwitz, piui, Auschwitz, piui,

me lembrando, me lembrando, piui,

que cinzas de seres humanos

são os alicerces

da minha liberdade doada,

permitida,

liberdada!

Meu canto

soa de guitarras afinadas

em linhas de produção,

onde homens máquinas,

androides

com gestos automáticos,

entoam meu rock de protesto

em shows pirotécnicos

de pedras rolantes,

Rolling Stones, Bob Dylan,

like a rolling stone,

como se fossemos

realmente andarilhos

ouvindo dentro de casa

a liberdada

nos discos de vinil da Philips!

O relógio,

tic, tac, tic,

tac, tic, tac,

de Salvador Dalí,

marcando

o tempo da memória,

desfazem a miragem

da liberdada,

e as pás da história,

cheias de cinzas humanas,

recheiam meu McLanche feliz

com o sabor de Auschwitz!

Tic, tac, tic,

tac, tic, tac,

persistente na memória,

tic, tac, tic,

tac, tic, tac,

dos relógios

de Salvador Dali!

Antonio Marchetti
Enviado por Antonio Marchetti em 19/03/2020
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