A alma de um poeta nu

Perdido nas estações de ser, no questionar do que foi, no desconhecido que virá,

Na dor de existir e na escravidão de sonhar, na sapiência do passado que logo voltará,

Na perquirição do desejo, na ingratidão do cortejo que corteja sem a verdade inflamar,

A verdade é uma faca de contradição, que contradiz a mentira e enriquece a razão.

Nesses campos que são tão meus, nos pássaros que cantam a minha canção,

Nos céus que não moro, no inferno que faz do silêncio, sonoro,

Nas minhas asas que não me tiram do chão, no meu sentir, uma pequena ilusão,

No meu padecer, que faz da vida um túmulo que a morte parece merecer.

Na demanda do que não sei, nos amores que nunca provei, tão indigno de amor, tão indigno da vida sentir calor,

Mas, como pode, se do outro o sentimento de amor transcende, tornando todo o culpado da culpa inocente,

Todo calado da fala gritante, todo morto da vida insignificante,

Todo eu sem os meus versos, tudo sou eu ao inverso.

Fingindo descodificar o sentimento original, do voar aos céus que transcende o bem e o mal,

Do cair que faz levantar, do esperar que faz chorar, do sonho que não vem a sonhar,

Do adeus que vem ao início, de um suicida jogado ao precipício, de um poeta que a morte matou,

Como posso tudo escrever, se quando procuro em mim, tudo resume-se a desconhecer?

A alma de um poeta, que não conhece o bem e o mal, o pecado original, mas dele vive e nele vive,

Que não conhece o amor, mas que dele nasceu e por ele morrerá,

Que desconhece os anjos mas que cantarola aos quatros cantos com harpas angelicais,

Que faz de qualquer imortal, por sua palavra, sentir-se mortal.

A alma de um poeta é somente dele, mas que dele faz-se toda ilusão e pensamento,

Na minha alma que transforma alegria em lamento, lástimas em contentamento,

Minha alma é feita de sobejos de céus estelares, cheios de visões de amores que nunca vivi,

Quem seria minha alma, um pensamento além de mim, uma pessoa que vive e nunca vi?