Lê-se chacina

Só quando eu não trago

Meu caderno de poesias fagas¹

É quando por um estrago

A melodia e a rima falam

Meus ouvidos surdos embalam

Uma melodia fina, morfina

Não vejo prantos nem alegrias

Fico podada, presa na chacina

E morrem os sonhos sem alegoria

No dia a dia vêm o cinza e preto

Quanto mais uns morrem em idolatria

Mais mártires nascem junto ao medo

Enquanto muitos temem, procura

Na ânsia de um remédio

Que essa loucura já impõe cura

E eu ando também na busca

Então acendo um cigarro

Vício escancarado traz nerusca²

Porém disfarça o grande sarro

Da plebe pálida em escárnio

Em meio a cuspes de hormônio

Mancham-se dedos em vermelho

Morrem mais pardos e negros

E de nada serviu o fogareiro

Somos queimadas como bruxas

Na calada da noite, no nevoeiro

Apodrecem corpos na enfusca³

Empalam amores, derradeiro

E se te falarem que de nada

O nada vale, façam com que calem

Ou mesmo gritem, mas que da esperança

Como do cigarro, não larguem

¹faga – neologismo para acalentador

²nerusca – gíria que significa coisa alguma

³enfusca - esconderijo